Princesa Leopoldina. – (Reprodução/D. Leopoldina Paulo Rezzuti)
Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1.822
“Pedro,
O Brasil está como um vulcão”.
Mais direta, impossível. Era mais do que uma correspondência de amor.
O início da carta de Maria Leopoldina da Áustria, então com 25 anos de idade, para o marido, o imperador D.Pedro I, manifestava angústia e um chamado para uma transformação do Brasil.
Na verdade, uma separação (de Portugal).
“Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças se partirmos agora para Lisboa. (…) O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com vosso apoio ou sem vosso apoio, ele fará sua separação”
Para ela, o fruto (a independência) estava maduro.
“O pomo está maduro, colheio-o já, senão apodrecerá. Já dissestes aqui o que ireis fazer em São Paulo. Fazei, pois”.
“No dia 13 de agosto, Pedro saiu do Rio de Janeiro e colocou ela como princesa no Brasil. Ele chegou em São Paulo no dia 25 de agosto e voltaria ao Rio de Janeiro um mês depois, no dia 14 de de setembro”,
Quando o Brasil ficou Independente, a regente era a esposa.
Tornava-se, então, a primeira mulher que ocupou o mais alto cargo o Brasil. E em um período de extrema tensão. Havia conflitos na Bahia desde fevereiro.
Um dos aspectos da força de Leopoldina estava ligado ao momento do Conselho dos Ministros, quando Dom Pedro estava em São Paulo, e foi ela, na situação de princesa regente, que estava reunida com José Bonifácio de Andrada e Silva (presidente da junta governativa de São Paulo e assessor de Dom Pedro) quando recebeu a correspondência do reino com uma série de imposições ao Brasil. Ela, então, ajudou a articular o desenrolar dos acontecimentos que culminaram com a Independência.
Leopoldina, então, sinalizou de forma enfática para a tomada de decisão do marido sobre a separação de Portugal. A carta com a metáfora de que o “fruto (da Independência)” estaria “maduro” era a indicação de que Pedro precisaria. A escritora Mary Del Priore explica que o fato de a princesa ter se tornado regente era fato comum da época. Apesar das humilhações no cenário de foro íntimo, Leopoldina tinha a confiança do marido para as decisões políticas.
Os pesquisadores enfatizam que ela percebeu que os filhos iriam ficar sem trono. Por isso, pensou em resguardar o caminho para os herdeiros. “É espetacular o devotamento da Leopoldina ao Brasil e ao projeto dela de uma coroa (pensando no país) para os filhos”.
Como o imperador não era fluente em outros idiomas, Leopoldina incumbiu-se da tarefa de receber marinheiros mercenários para compor as forças de resistência brasileiras. Segundo os estudiosos, ela falava inglês, francês, alemão e recebeu os militares.
Leopoldina escreveu para as lideranças na Europa pedindo reconhecimento do Brasil e de Dom Pedro, como alguém aclamado pelo povo. “Ela foi uma presença muito proativa”.
Um exemplo disso é que, mesmo depois da dor de perder o filho (no dia 2 de fevereiro de 1822),
João Carlos (que ela esperava que seria o futuro imperador do Brasil,), essa mulher vence essa dor e todas as dificuldades. “Ela estava grávida novamente e foi de barrigão no Arsenal da Marinha falar com os militares”.
Não seria a primeira vez que Leopoldina usava a sagacidade para resolver dúvidas importantes para o país, em uma mistura de questões familiares e políticas.
Em janeiro de 1822, por exemplo, quando ocorre o Dia do Fico (marco, em 9 de janeiro, também para a Independência do Brasil que ocorreria naquele ano), Leopoldina, grávida, usa como pretexto a gestação para não voltar a Portugal.
Os historiadores analisam que Leopoldina percebeu que a ausência do imperador poderia enfrentar revoltas que gerassem divisões do território. “Ainda não se tinha essa ideia de sentimento de nacionalidade. Isso vai ser o processo da independência que vai trazer essa ideia de unidade nacional”, afirma o escritor Paulo Rezzutti.
Segundo outro biógrafo de dona Leopoldina, o escritor Clóvis Bulcão, a princesa foi lentamente sendo envolvida por aquele ambiente de disputa, de radicalização entre brasileiros e portugueses. “Ela vai tomando claramente o lado do Brasil”. “É importante lembrar que o pai dela, o imperador da Áustria, quando fez o casamento com a família Bragança deixa bem claro que não era pra se meter em aventura revolucionária”.
Essa desobediência rompeu com a tradição do império austríaco. Bulcão avalia que, no final, ela vai ter um papel importante naqueles últimos dias que antecedem o 7 de Setembro.
O clima vai ficando cada vez mais tumultuado e tenso. Dom Pedro, quando foi pra São Paulo e proclamou a Independência, deixa Leopoldina como regente no Rio. “Então, na verdade, o Brasil, quando nasce em 7 de setembro, tem uma mulher como a governante”.
“Após a Independência, ela também mostra o seu valor”. Em vez de ficar no Palácio, recolhida e humilhada, para chorar o filho morto ou cuidar das filhas, ela assume esse lugar de negociadora diplomática entre Brasil e Áustria.
As correspondências dela para o pai (o monarca Francisco Carlos) pedem que o Brasil seja reconhecido como Império”.
Os pesquisadores explicam que as cartas deixadas por dona Leopoldina são fundamentais para entender aquele momento. “A maioria das cartas encontradas foram as que ela deixou para a irmã [Maria Luiza, esposa de Napoleão, ídolo de Dom Pedro].“
O comportamento de Dom Pedro, com várias amantes e filhos das relações extraconjugais, tem relevância política porque as histórias da família passam a se tornar públicas, e são julgadas pelos que leem os panfletos. “É na casa da Marquesa dos Santos que Dom Pedro reúne também a corte brasileira”.
Por outro lado, na casa de Leopoldina, também ocorriam encontros políticos. Nesse momento, folhetos passam a circular para criticar o autoritarismo de Dom Pedro e seu comportamento que atentaria contra a imagem das famílias brasileiras.
“Esses folhetos vão ficando cada vez mais ácidos e isso desembocaria, depois, na decadência da figura política de Dom Pedro. Uma decadência que vai resultar em 1831 na volta dele pra Portugal onde ele está realmente muito desmoralizado”.
A viagem da comitiva de Leopoldina, da Europa até o Brasil, demorou 84 dias.
Era o caminho para o casamento de conveniência, como era costumeiro na época. Em carta escrita em 1817, ela revelou-se encantada pela visão da Baía de Guanabara.
A princesa austríaca teve sólida formação científica e estudou detalhes sobre o Brasil antes de se mudar. Depois da chegada, se apaixonou. Ela tinha especial atenção por assuntos de botânica, de mineralogia e pelo meio ambiente brasileiro.
“É um país magnífico e ameno, terra abençoada que tem habitantes honestos e bondosos; além disso louvasse toda a família, têm muito senso e nobres qualidades. Logo a Europa estará insuportável e daqui dois anos posso viver aqui novamente, mas esteja convicta de que meu maior empenho será corresponder à confiança que toda a família e meu futuro esposo em mim depositam, através de meu amor por ele e meu comportamento”, escreveu à irmã.
Em nove anos, Leopoldina teve nove gestações. Sete filhos sobreviveram, entre eles Pedro, que iria se tornar o herdeiro do trono. Mesmo com a vida de mãe e os trabalhos políticos, Leopoldina enfrentou depressão. Ela passou a engordar muito.
Um momento de tensão no país ocorreu com a morte dela, com apenas 29 anos de idade, em novembro de 1826. “A Marquesa de Santos teve que fugir pelos fundos da casa dela porque a população a acusava de ter envenenado a imperatriz”.
Os pesquisadores entendem que a fragilidade física dela causou obesidade mórbida.
Mercenários estrangeiros também se revoltam com a morte de Leopoldina. Na Europa, há também perplexidade. Nos jornais, os relatos médicos nos jornais da época. “Ela pode ter tido uma febre resultante de uma infecção do último aborto. Ela estava já bastante enferma por causa dos partos”.
Pesquisadores afirmam que ela se despediu dos filhos e dos funcionários antes de morrer. A morte causou comoção nacional.
Para alguns escritores, até o final do século 20, era incomum que as histórias de mulheres ganhassem maior repercussão. “A historiografia vem descobrindo protagonistas femininos. Está se fazendo justiça a uma mulher que trabalhou pela independência do Brasil com todas as forças e com muito amor”.
Referencias
https://www.acritica.net/editorias/geral/7-de-setembro-a-princesa-que-foi-decisiva-para-a-independencia/619557/