A arte da memória era uma técnica para aprimorar a capacidade de memorização, desenvolvida na Grécia antiga e amplamente divulgada pelos escritores romanos. Ela era especialmente útil para oradores e advogados, que precisavam memorizar longos discursos, e foi muito utilizada antes da invenção da imprensa escrita.
A técnica grega de mnemônica utilizava um edifício como base. O estudante dessa arte estudava um edifício grande e complexo, memorizando seus cômodos e planta, assim como lugares ou características peculiares do local. Para isso, ele estabelecia uma ordem específica para visitar cada cômodo individualmente. Ao memorizar um discurso, o estudante imaginava-se caminhando pelo edifício em sua rota pré-estabelecida e, em cada local memorizado, associava imagens a cada argumento ou ponto do discurso. A ordem dessas imagens correspondia à ordem dos pontos abordados no discurso. Essas imagens estavam ligadas de alguma forma aos pontos a serem memorizados, podendo ser ligações simples e diretas (como uma arma representando um assassinato ou guerra) ou indiretas e complexas, baseadas em associações pessoais.
Frequentemente, as imagens eram figuras humanas e acreditava-se que imagens incomuns e marcantes – belas ou grotescas, cômicas ou obscenas – eram mais fáceis de lembrar do que imagens comuns. Quando o orador fazia seu discurso, ele “caminhava” mentalmente pelo edifício e cada imagem o lembrava do ponto que deveria abordar em seguida. Além de lembrar-se dos pontos salientes na ordem correta, alguns indivíduos altamente habilidosos conseguiam memorizar todas as palavras de um discurso.
Inicialmente, pode parecer que essa técnica mais atrapalharia do que ajudaria o orador, já que ele precisaria lembrar-se de muitos lugares, da ordem de visitação e das imagens associadas. No entanto, o sistema funcionava e foi responsável por alguns dos notáveis feitos de memória dos antigos poetas e oradores.
A maioria das pessoas tende a memorizar informações de forma indireta e complexa, pois isso funciona melhor para elas do que a memorização simples e direta. Talvez isso nos ajude a compreender a Arte da Memória. As peculiaridades da mente que facilitavam a memorização de fatos complexos foram sistematizadas pela Arte da Memória em uma ferramenta poderosa, chamada Memória Artificial.
As frequentes imagens humanas, que revelavam sua importância por meio de ações, vestimentas e posses, também podem estar relacionadas às figuras de deuses e personificações de conceitos abstratos (como as virtudes identificáveis por seus atributos) que eram populares no mundo antigo. No Império Romano, por exemplo, essas imagens foram usadas na cunhagem de moedas, criando uma forma simbólica de referência a quase toda atividade do estado, intimamente ligada à crença popular.
A figura da Paz segurando um ramo de oliveira ou a Abundância segurando espigas de milho e uma cornucópia de plenitude podem ser consideradas, de modo geral, imagens de memória. Na verdade, muitos outros tipos de simbolismo podem ser vistos dessa forma, pois símbolos ou imagens sempre foram amplamente usados para ajudar as pessoas a se lembrarem de certas coisas. Com o advento do cristianismo, o sistema romano de personificação foi adaptado e desenvolvido como parte da Iconografia Cristã, onde cada santo possuía atributos que lembravam sua vida, virtudes especiais ou martírio, ajudando na identificação. As sequências de imagens em igrejas medievais, sejam em grupos de santos (que transmitiam uma mensagem específica pela ordem) ou representações simbólicas de eventos bíblicos, também serviam como guias de memória.
Essencialmente, a Arte da Memória baseava-se em imagens mentais que não tinham presença física. Normalmente, utilizava-se de edifícios mentais e locais reais dentro deles e, através da memória artificial, esses edifícios eram visitados na mente. Muitas das imagens usadas na Arte da Memória eram criações pessoais do usuário da técnica e não fariam sentido para outras pessoas, enquanto a iconografia de personificações e santos era concebida para que as imagens fossem compreendidas por todos.
No mundo antigo, a Arte da Memória era vista como uma parte da retórica, mas Cícero, também um defensor da Arte, a classificava como uma das três partes da virtude da Prudência (junto com inteligência e presciência). Com o tempo, isso se tornou significativo para a Arte da Memória, pois as virtudes definidas por Cícero (Prudência, Justiça, Fortitude e Temperança) foram aceitas na Idade Média como as quatro virtudes cardeais. Assim, a Arte da Memória, identificada como prudência, passou a ser considerada um aspecto da ética. Santo Agostinho a via como uma das três partes da alma (juntamente com compreensão e vontade) e ensinava que, ao explorar a memória, as pessoas poderiam encontrar uma imagem de Deus em suas almas. Isso tornou-se importante na religião, não apenas como um método valioso para incutir verdades religiosas na mente, mas também como algo que tinha valor moral e levava ao conhecimento de Deus.
Giulio Camillo foi a primeira pessoa a dar destaque a esse novo tipo de sistema de memória. Ele faleceu em 1544, e suas atividades despertaram grande interesse, principalmente na França e na Itália, pois ele construiu um modelo sofisticado de madeira de um “Teatro de Memória”, atribuindo poderes notáveis ao seu funcionamento, mas se recusando a revelar os segredos da Arte a qualquer pessoa, exceto ao Rei da França. Na verdade, os segredos nunca foram revelados, mas a reconstrução feita pela estudiosa Frances Yates mostra que o teatro foi baseado no teatro clássico descrito pelo arquiteto romano Vitruvius, com a adição de influências bíblicas, como os sete pilares da Casa da Sabedoria de Salomão (“A Sabedoria edificou a sua casa, lavrou as suas sete colunas” – Provérbios 9,1). Da clássica Arte da Memória, Camillo criou lugares de memória e construiu imagens em madeira para colocá-los. No entanto, essas imagens eram vistas como talismãs capazes de invocar poderes mágicos do sol e dos planetas, de acordo com teorias derivadas dos escritos herméticos.
Assim, a Arte da Memória foi transformada em um método oculto, pelo qual o homem poderia compreender o Universo e canalizar seus poderes. A transição de um edifício terrestre para os céus foi facilitada pelo fato de que, embora a Arte da Memória se baseasse em edifícios desde os tempos antigos, uma variação da tradição buscava seus lugares de memória nos signos do zodíaco e nas estrelas.
Outro famoso praticante da Arte da Memória hermética no século XVI foi Giordano Bruno (1548-1600). Ele ingressou na Ordem dos Frades Dominicanos, tradicionalmente interessados na Arte da Memória, e tornou-se altamente qualificado nessa arte ainda jovem. Sua primeira obra foi abertamente hermética. Em Paris, entre 1581 e 1583, ele publicou suas duas primeiras obras sobre a arte e, em seguida, mudou-se para a Inglaterra, onde publicou a terceira obra em 1583. Quase imediatamente após a publicação de sua terceira obra, surgiu uma grande controvérsia em torno de suas ideias.
No conflito que se seguiu, a causa de Bruno foi defendida por um escocês que residia em Londres, Alexander Dickson. Em 1584, Dickson publicou um tratado baseado na primeira obra de Bruno, apresentando a clássica Arte da Memória, mas inserindo-a em um contexto egípcio hermético. Esse ato levou a duas denúncias com base religiosa. Os esforços de Dickson para defender Giordano Bruno foram recompensados nos diálogos publicados pelo próprio Bruno em 1584, onde Dickson aparecia como um dos principais oradores, sendo descrito como “astuto, honesto, gentil, nobre e fiel amigo” de Bruno.
É provável que Bruno e seu discípulo Alexander Dickson tenham se conhecido na Inglaterra entre 1583 e 1585, mas, mesmo que isso não tenha ocorrido, o episódio revela que o principal defensor de Bruno na Grã-Bretanha foi um escocês. Embora Dickson residisse na Inglaterra naquela época, ele mantinha contatos em sua terra natal, o que talvez tenha facilitado a disseminação da Arte da Memória pela Escócia.
Dickson combinava seu amor pela Arte da Memória com a lealdade ao catolicismo e a Maria, Rainha dos Escoceses (até sua execução em 1587). Nos anos seguintes ao seu envolvimento na controvérsia intelectual de 1584, Dickson foi frequentemente mencionado em atividades arriscadas. Ele era um papista devoto e foi até acusado de espionagem, falecendo em 1604.
Outro personagem da corte escocesa interessado na Arte da Memória era William Fowler, poeta, homem de letras e secretário da Rainha Ana da Dinamarca. Dickson e Fowler, os dois protagonistas da Arte da Memória na Escócia, talvez se conhecessem desde a juventude. Dickson frequentou o Leonard’s College, em St. Andrews, formando-se em 1577, e William Fowler, formado na mesma instituição no ano seguinte, tornou-se o futuro poeta e secretário.
William Schaw, Mestre de Obras do Rei James VI, trabalhava em uma corte onde a Arte da Memória era conhecida e até o rei se interessava por ela. Suas ligações com William Fowler, em termos profissionais, eram próximas, já que este era camareiro da Rainha e Fowler era secretário da Rainha. Os dois homens acompanharam o rei em sua viagem à Dinamarca em 1589-1590. Um relato de Fowler sobre o batismo do filho mais velho de James VI, o príncipe Henry, em 1594, descreve o relacionamento e o trabalho dos dois com o rei. “Quase no fim do dia, notando que a Capela Real no Castelo de Stirling estava em ruínas e era pequena demais”, James VI ordenou “que a velha capela fosse demolida e outra fosse construída no mesmo lugar, mais ampla e mais longa”.
Não há menção específica ao “Mestre de Obras” do rei nesse evento, mas é inconcebível que ele não estivesse presente, já que as obras de construção da casa real eram de sua responsabilidade e essa, devido à escassez de tempo, seria uma obra de grande urgência, com o próprio rei no local. Os arranjos para os magníficos festivais que acompanhariam a cerimônia de batismo foram confiados pelo rei a dois homens, um deles William Fowler.
Na ocasião do batismo do príncipe, há indícios de que William Schaw tenha trabalhado bem próximo ao Rei James VI e a William Fowler, ambos interessados na Arte da Memória. Sem dúvida, contatos próximos entre os três homens também existiam na corte em outras épocas, e é mais do que plausível que tenham conversado sobre a Arte da Memória. Schaw pode ter desenvolvido seu interesse através de tratados escritos ou durante sua visita a Paris com Lord Seton em 1584, na mesma época em que Giordano Bruno estava na cidade e publicou suas três obras sobre a Arte. A corte escocesa na década de 1590 era claramente um local onde tais interesses poderiam ser instigados e desenvolvidos. Embora Schaw trabalhasse para a Rainha e com Fowler, os dois homens eram separados pela religião, pois Fowler era um devoto protestante. É possível que Schaw tenha encontrado maior afinidade intelectual com Alexander Dickson, seu colega católico.
Não se pode encontrar nenhum contato direto entre os dois homens, mas seria um esforço de credulidade achar que eles não se conheciam, uma vez que frequentavam círculos semelhantes. Mesmo que o interesse de Schaw pela Arte da Memória fosse anterior ao seu encontro com Dickson, seria inacreditável ele não discutir o assunto com um homem costumeiramente identificado como mestre da Arte da Memória e bem conhecido por suas publicações sobre o tema. Foi então que Schaw decidiu que o conhecimento da Arte seria uma qualificação necessária para membros das Lojas Maçônicas.
Das várias variantes da arte da memória — antigas, medievais e renascentistas —, em qual delas William Schaw queria que os maçons escoceses se especializassem? A provável ligação com Alexander Dickson e a presença de elementos herméticos no surgimento da Maçonaria Livre naquela época certamente indicam uma influência da arte hermética de Giordano Bruno. Após oito anos de prisão por heresia, Bruno foi queimado na fogueira em Roma, apenas alguns meses após a emissão dos Segundos Estatutos por Schaw, em 28 de dezembro de 1599. Se parte da arte de Bruno foi introduzida aos maçons por Schaw, então ele tentava implantar elementos de um culto hermético secreto na arte dos maçons, usando a Arte da Memória para promover o avanço espiritual e o conhecimento divino. No entanto, mesmo considerando esse aspecto da Arte da Memória, é provável que Schaw tenha visto outros aspectos mais antigos da arte como relevantes para os maçons.
É concebível que a Arte da Memória tenha sido utilizada de alguma forma pelos maçons escoceses antes de 1599. Embora seja comum ser estudada por acadêmicos que escreveram sobre o tema, a arte era praticada por homens em todos os níveis da sociedade. De fato, quando a impressão de textos começou a se disseminar, ela se tornou ainda mais valiosa para os analfabetos do que para os alfabetizados. Há registros de seu uso por um cantor italiano em 1435 e é possível que tenha desempenhado um papel importante na transmissão oral de culturas tradicionais. Além disso, a Arte da Memória era especialmente adequada para transmitir materiais considerados tão secretos que não podiam ser escritos. Esse pode ser o motivo pelo qual não há versões manuscritas escocesas dos Antigos Deveres até aproximadamente meio século depois; os “Antigos Deveres” eram considerados secretos demais para serem registrados por escrito na Escócia.
Os traços da Arte da Memória clássica que a tornam particularmente relevante para a arte dos maçons são evidentes. Baseada na ideia de percorrer um edifício sofisticado, acredita-se que ela conferia grandes poderes ao adepto, aumentando significativamente a capacidade da memória humana. Assim como outras artes que se acreditava aperfeiçoar as habilidades humanas, essa poderosa Arte poderia facilmente adquirir implicações ocultas e, de certa forma, estava ligada à habilidade do Arquiteto maçom.
Embora Frances Yates não mencione especificamente a Arte da Memória nos Segundos Estatutos de Schaw, ela sugere uma ligação entre essa arte, que usava estruturas arquitetônicas na busca pela sabedoria, e a Maçonaria. Segundo a autora, na Inglaterra, a forma hermética da Arte da Memória talvez tenha raízes mais profundas do que na Itália, associando-se a simpatizantes católicos, grupos religiosos secretos ou até mesmo à incipiente Rosa-Cruz ou à própria maçonaria.
Os historiadores maçônicos ainda enfrentam o problema da origem da Maçonaria “Especulativa”, com seu uso simbólico de colunas, arcos e outros elementos arquitetônicos, além do simbolismo geométrico, cuja estrutura interior apresenta ensinamentos morais e uma perspectiva mística voltada para o Grande Arquiteto do Universo. Acredito que a História da Arte da Memória pode sugerir uma solução para esse problema, mostrando como a memória oculta do Renascimento pode ter sido a fonte real de um movimento hermético e místico que usava não a arquitetura real da Maçonaria “operativa”, mas sim a arquitetura imaginária ou “especulativa” da Arte da Memória como veículo para seus ensinamentos.
Essa conexão pode ser bastante convincente. Na Idade Média e no Renascimento, períodos marcados por simbolismo e imagens, qualquer arte desenvolveria simbolismos com base em suas ferramentas. Portanto, a ideia de que o simbolismo maçônico tenha surgido exclusivamente da Arte da Memória renascentista não parece suficiente.
Contudo, considerando os Segundos Estatutos de Schaw, a Arte da Memória pode ser diretamente associada ao desenvolvimento da Maçonaria, e as implicações ocultas que ela proporciona podem ter contribuído para a formação dos segredos e rituais maçônicos.
Por que Schaw e os maçons usavam a Arte da Memória? Sem dúvida, a busca generalizada pela “ilustração” mística estava presente, mas, como sugerido anteriormente, a Arte provavelmente foi empregada para fins mais práticos, como a memorização dos Antigos Deveres.
Por fim, para tornar ainda mais fascinante a compreensão do surgimento da Maçonaria Livre, podemos visitar uma Loja do século XVII que possivelmente funcionava como um templo da Memória. Este edifício era adornado com lugares e imagens estrategicamente colocados para estimular a memorização dos segredos da Palavra do Maçom e dos rituais de iniciação.
A instrução de William Schaw de que os maçons fossem proficientes na Arte da Memória já foi estudada por várias gerações de historiadores maçônicos, mas sua verdadeira importância nem sempre foi devidamente reconhecida.
No entanto, essa breve afirmação serve como uma chave para entender aspectos cruciais das origens da Maçonaria, conectando a habilidade operativa do maçom aos grandiosos esforços do mago hermético.