Imagem Jean Baptiste Debret
«No final do século XIX, princípio do século XX, o incipiente operariado português concentrava-se em poucas fábricas dignas desse nome no Norte do país, em particular no Porto, e numa multidão de pequenas oficinas em Lisboa e Setúbal e nas principais cidades do país. Eram operários e operárias, tabaqueiros, têxteis, soldadores, conserveiros, corticeiros, mineiros, padeiros, alfaiates, costureiras, cinzeladores, cortadores de carnes verdes, carpinteiros, fragateiros, estivadores, carregadores, carrejonas no Porto, carvoeiros, costureiras, douradores, etc., etc.» («Viagem ao passado por causa do presente», José Pacheco Pereira, Público, 22.12.2012, p. 44).
Naturalmente que os dicionários não podem registar todos os termos e expressões da língua, mas as que vão aparecendo nos meios de comunicação não deviam lá faltar. Carne verde é o nome que se dá à carne de animais abatidos na véspera do consumo, sem qualquer conservação.
No período colonial, sabemos que os portugueses chegaram ao Brasil com o claro objetivo de explorar o potencial econômico de nossas terras.
Os lusitanos procuravam empreender atividades econômicas que tivessem alta demanda no mercado consumidor europeu.
Desta forma, observamos que o mercado externo era bem mais valorizado do que os outros negócios que atendessem a população local.
Essa política de exploração, além de revelar um importante aspecto da colonização, também acabou influenciando em nossa cultura alimentar.
Preocupados em explorar ao máximo as terras propícias ao cultivo da cana-de-açúcar, os portugueses firmaram um decreto que permitia a criação de gado à somente oitenta quilômetros de distância da faixa litorânea.
Além disso, podemos ver que a atividade pecuarista era geralmente empreendida pelas classes menos privilegiadas da sociedade colonial.
No fim das contas, essas ações acabaram contribuindo para que o acesso à carne no mundo colonial fosse uma tarefa repleta de dificuldades.
Criados em regiões mais distantes e sem a utilização de pastos com boa qualidade, a carne bovina chegava aos grandes centros consumidores sendo magra, dura, pútrida e com sabor nada agradável. Com isso, as carnes com uma qualidade um pouco maior se transformaram em uma iguaria com alto valor.
A carência do produto pode ser observada até mesmo quando os bandeirantes empreendiam as suas expedições pelo interior do território.
Sem contar com grandes recursos, seus integrantes formavam pequenas roças nos caminhos que atravessavam e se valiam da caça de animais selvagens para incrementarem a sua precária dieta. Muitas vezes, o charque, também conhecido como carne seca, era uma das soluções mais viáveis para as cidades encravadas no vasto sertão brasileiro.
Mediante tantos problemas, vemos que o consumo da carne bovina compunha uma verdadeira odisseia na cultura alimentar da população brasileira. Por este motivo, a criação e o consumo de carne suína se transformou em uma alternativa mais eficiente para época.
A praticidade da carne de porco era tão grande que até os banquetes das elites eram fartamente regados pela iguaria.
De fato, entre comer uma carne bovina de qualidade altamente duvidosa e comer uma “carne verde” (ou seja, carne fresca) de porco, a população daquela época facilmente partiu para a segunda opção.
A materialidade dessa predileção acabou se transformando no tema de “Açougue de Carne de Porco” (acima), uma das várias gravuras produzidas pelo artista Jean Baptiste Debret em suas viagens pelo Brasil do século XIX.
Referências:
Rainer Sousa