O sentimento que animou a fundação da Quatuor Coronati Lodge n.º 2076, em 1884-6, fez com que ocorresse uma reviravolta na Maçonaria. Até aquele momento, a pesquisa sobre a nossa história era bastante rudimentar, geralmente baseada em ilações sem apoio algum, a não ser a própria imaginação dos nossos Irmãos (2).
Por isso, podemos dizer que: a escola autêntica surgiu per contra a escola romântica da Maçonaria, i.e.: o atual pensamento dominante na pesquisa maçônica resulta da insatisfação e insurgência dos nossos Irmãos com os métodos utilizados nos estudos históricos da Maçonaria da época.
A escola autêntica se caracteriza por utilizar os métodos acadêmicos para lastrear suas pesquisas. Para eles, os Maçons são descendentes dos pedreiros medievais.
Os adeptos da escola romântica defendem diversas teorias sobre a origem da Maçonaria: os Cavaleiros Templários, o Antigo Egito, a construção da Torre de Babel, etc. (3)
Os exemplos de pesquisadores românticos são tão amplos e diversos que é difícil nomeá-los: Robert Lomas, Jorge Adoum, Paul Naudon, Michael Baigent e Richard Leigh (4) são alguns dos exemplos mais notáveis.
Embora a definição mais comum da escola autêntica diga respeito a métodos científicos para investigação histórica da Maçonaria, existe a partir dela, ao que nos parece, um desdobramento incidental sobre a interpretação dos nossos símbolos.
O Ir.’. Harry Carr sintetizou o método interpretativo da Escola Autêntica na Introdução da sua obra O Ofício do Maçom: Em geral, acredito que uma abordagem histórica é a mais compensatória, i.e., investigando o item em questão, desde o aparecimento mais antigo, seguindo seu desenvolvimento e mudanças, até quando nosso ritual e procedimentos foram mais ou menos padronizados no início dos anos de 1800. (5)A citação é assaz precisa ao expor o método interpretativo. Contudo, nas suas entrelinhas é possível ler algo que foi consignado por outros Maçons da Escola Autêntica: a correta compreensão de um símbolo depende do contexto no qual ele está inserido. Essa é a regra cardeal para o intérprete. (6)
Uma interpretação responsável dos nossos símbolos depende do conhecimento das fontes disponíveis, usadas pelos criadores dos nossos Rituais. Albert Pike, por exemplo, desenvolveu a mais coerente e completa teoria sobre a Palavra Perdida ao descobrir que os primeiros Maçons Especulativos derivaram seu conhecimento sobre o Nome Inefável, IHVH, do livro de Christian Knorr Von Rosenroth, A Qabalah Revelada. (7)
Publicada no Século XVII, ela foi a fonte histórica que orientou a criação de um dos nossos símbolos mais famosos: a Palavra Perdida.
É assim que, muitas vezes, fatos não relacionados diretamente ao Ofício (8) servem como vetor interpretativo dos nossos símbolos. (9)
Por isso, é necessário que o intérprete tenha consciência das fontes primárias de onde nosso simbolismo dimana. É bem verdade que a Maçonaria tomou emprestado dos pedreiros medievais grande parte dos seus instrumentos de trabalho, conferindo-lhes significados para seus propósitos. Assim, o maço, o cinzel, o prumo, o esquadro, o compasso, e tantos outros instrumentos, foram associados a diversas virtudes, encerrando lições de moralidade.
Isso não obstante, não encontramos entre os nossos ancestrais operativos muitos dos nossos símbolos atuais, como sejam, o sol e a lua, as constelações, a estrela flamejante, o túmulo e o ramo de acácia. (10)
Essa pluralidade de fontes se reúne em documentos oficiais da instituição e reside em fatos incidentais à Maçonaria. Assim, para o exercício interpretativo é imprescindível o conhecimento da história da Maçonaria, suas Antigas Obrigações, Inconfidências e Rituais. Os símbolos do Ofício podem assumir significados diversos e contraditórios do que aqueles comumente conhecidos pelo público ou, até mesmo, entre os diversos graus da Fraternidade. Portanto, nossa admoestação não é gratuita.
É preciso resistir à tentação de exportar, entre os diversos graus e Ritos, o significado conferido aos símbolos, sob pena de prejudicar a compreensão dada pelo contexto no qual o glifo está posto. É nesse esteio, por exemplo, que as colunas vestibulares do Templo representam, a princípio, as senhas dos graus de Aprendiz e Companheiro, e se transformam no cerne mais profundo do Real Segredo do Rito Escocês no seu 32.º grau.
A Maçonaria é um “sistema de moralidade, velado por alegorias e ilustrado por símbolos”; por definição, portanto, nossos símbolos são veículos de conhecimento, que cingem as mais altas instruções morais e filosóficos. Pike foi taxativo: grandes verdades, esotéricas e divinas, residem veladas no simbolismo da Maçonaria. (11)
Há símbolos, cujos significados e ensinamentos são intuitivos, prescindindo maiores elucubrações. Outros, entretanto, exigem “contemplação, explanação, ou o benefício da maturidade e/ou experiência de vida”. (12) As lições destes serão mal interpretadas e mal executadas, se nos faltarem as ferramentas intelectuais adequadas para apreendê-las. Enquanto Maçons é nosso dever buscar a luz, que representa o conhecimento, ainda que ela esteja oculta sob o véu do Mistério. A interpretação é o primeiro dos nossos esforços para aplicar, na vida, os ensinamentos da Arte Real.
GLORIA DEI EST CELARE VERBUM.
Por Pablo Guedes
fonte:http://ritoserituais.com.br
Notas:
1 – O Ir.’. Pablo Roar Justino Guedes é membro da A.’.R.’.L.’.S.’. José Rodovalho de Alencar n.º 2.912, Cajazeiras-PB, jurisdicionada ao Grande Oriente do Brasil-Paraíba. Atualmente é o M.’. Ilust.’. Grande Secretário Geral do Grande Colégio de Ritos do Brasil. Também é Master Craftsman do Supremo Conselho Mãe do Mundo do R.’.E.’.A.’.A.’., membro da Academia Maçônica de Artes, Ciências e Letras do Estado da Paraíba, do Círculo de Correspondência da Quatuor Coronati e um Companheiro da Scottish Rite Research Society.
2 – Cf. PIKE, Albert, Morals and dogma of the ancient & accepted scottish rite: annotated edition by Arturo de Hoyos, Supreme Council, 33º, S.J., U.S.A., 2016, p. 21.
3 – Cf. DE HOYOS, Arturo, Scottish rite ritual monitor and guide, Supreme Council, 33º, S.J., U.S.A., 2010, p. 77. Também recomendamos a leitura da obra de David Stevenson, As Origens da Maçonaria, publicado pela Madras Editora.
4 – Na obra destes dois últimos, O Templo e a Loja, eles defendem que a Maçonaria se originou a partir da Ordem do Templo. Por isso nós os qualificamos como pesquisadores românticos. Em nome da clareza, entretanto, enfatizamos: a obra possui grande valor, máxime no que concerne à história da fundação da Grande Loja de Londres (1717), depois Unida da Inglaterra (1813).
5 – Cf. CARR, Harry, O ofício do maçom: o guia definitivo para o trabalho maçônico, Madras, 2012, p. 21.
6 – Cf. DE HOYOS, Arturo, Scottish rite ritual monitor and guide, Supreme Council, 33º, S.J., U.S.A., 2010, p. 143.
7 – Cf. DE HOYOS, Arturo, Albert Pike’s Esoterika: The symbolism of the blue degrees of freemasonry, Scottish Rite Research Society, U.S.A., 2008, p. 144. Tb. para saber mais sobre o tema, recomendamos a obra Da Fórmula dos Deuses Mortos, que explica a teoria da Palavra Perdida desenvolvida por Pike.
8 – Recomendamos a leitura do seminal, embora propedêutico, Desmistificando a Maçonaria, do Ir.’. Kennyo Ismail. Nele, temos um exemplo de um autor nacional que interpreta os símbolos de nossa ordem com base em dados históricos. Nesse sentido, v.g., O Pavimento Mosaico e a Orla Dentada (cf. ISMAIL, Kennyo, Desmistificando a Maçonaria, Universo dos Livros, 2012, pp. 31-34).
9 – Um dos exemplos mais notáveis para qualquer pesquisador é a obra do Ir.’. Harry Carr, O Ofício do Maçom. Nela, é possível reconhecer esse método à medida que o autor segue respondendo a diversos questionamentos, sempre recorrendo a fontes históricas para nortear sua intepretação.
10 – Cf. DE HOYOS, Arturo, Albert Pike’s Esoterika: The symbolism of the blue degrees of freemasonry,Scottish Rite Research Society, U.S.A., 2008, pp. l-li.
11 – Cf. DE HOYOS, Arturo, Albert Pike’s Esoterika: The symbolism of the blue degrees of freemasonry,Scottish Rite Research Society, U.S.A., 2008, p. xxv.
12 – Cf. DE HOYOS, Arturo, Scottish rite ritual monitor and guide, Supreme Council, 33º, S.J., U.S.A., 2010, p. 77.