A Velha Paranaguá

hamilton |19 maio, 2025

Blog | Rastro Ancestral

A Velha Paranaguá

Caminhava pela antiga Rua da Praia, num cálido dia de março, enquanto a brisa marítima acariciava-me o rosto como um afago trazido pelas ondas. Com os pensamentos perdidos em lembranças de tempos que já não cabem nos relógios, sentei-me à sombra de uma árvore e, embalado por aquele sopro sereno, adormeci.

Ao despertar, pareceu-me habitar outra era: tudo ao redor se havia transfigurado. Os soberbos casarões — outrora guardiões de tantas histórias — tinham cedido lugar a edifícios de vidro e concreto; vitrines reluziam onde antes ressoavam passos sobre paralelepípedos e, o que mais doía, pairava no ar uma sensação de vazio, como se a vida ali se houvesse apagado.

Aproximei-me de um senhor apressado e perguntei-lhe:

— Que lugar é este?

— Estamos em Paranaguá — respondeu, sem interromper o passo.

— Impossível! — retruquei, incrédulo. — Conheço Paranaguá. Onde estão seus casarões, suas ruas de pedra? Onde repousa a tua memória?

Com um suspiro que parecia carregar toda a maresia, explicou-me que, anos antes, um furacão — improvável filho do Atlântico — devastara a cidade. Chamava-se Perséfone, nome da deusa que governa as fronteiras entre flores e sombras. Após a destruição, iniciou-se um grandioso projeto de reconstrução: luzes, fanfarras, celebrações… e o povo, seduzido pelo cintilar da “Nova Paranaguá”, tomou as ruas em júbilo.

Nesse instante, o bramido grave de um navio ressoou ao longe. Pisquei — e vi-me novamente sob a mesma árvore, o mundo recuperando suas antigas cores. Então compreendi: tudo não passara de um sonho — ou, quem sabe, de um presságio. Sorri, aliviado; diante de mim permanecia a “Velha Paranaguá”, senhora veneranda, Mãe do Paraná, guardiã de lembranças que nem o tempo ousa desalojar.

Hamilton Ferreira Sampaio Junior.

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