Barão do Serro Azul mantém a paz e a ordem em Curitiba.
Pesquisas: Hamilton F Sampaio Junior.’.
Ildefonso Pereira Correia (Barão do Serro Azul)
Iremos começar este texto com uma carta escrita por uma viúva o qual o marido foi um dos homens mais injustiçados deste País, difícil não tomar “lado” peço mil desculpas pela posição, mas realmente depois de entender a história é difícil não se emocionar.
A seguir a carta da Baronesa do Serro Azul ao senador José da Costa Azevedo, Barão de Ladário (Texto escrito cópia fiel por isso a linguagem é de época)
“Exmo. Sr. Barão de Ladário. Rio de Janeiro.
Cumprimentando a V. Exa., espero que me será perdoada esta liberdade com que vou prestar a V. Exa. informações sobre o monstruoso attentado que trouxe lucto eterno a meu lar, para sempre deserto das alegrias que eram para o meu coração de esposa e para a innocencia de meus filhos, hoje orphãos de pai, o único e grato conforto da vida.
Aqui desta sombra do claustro em que sinto minha alma sepultada, e onde a coragem que me resta, nasce da própria immensidade de meu sofrimento, começo a notar, senhor que, a Justiça indefectível de Deus está escolhendo entre os puros e os bons desde mundo os instrumentos poderosos de que há de em breve valer-se para a solemne reparação que se lhe deve na terra. E V. Exa. foi dos primeiros entre esses que em todos os tempos e no seio de todas as nações como que a Providencia designa para serem o verbo de fogo a fallar às almas, a pungir os corações emocionando os povos, apontando-lhes no céo a cor azul e immaculada da Lei, para que as magistraturas abalem-se e as consciências volvam a ouvir a voz clamorosa dos túmulos, onde o martyrio não dormirá eternamente, porque eterna só há de ser a devida soberania do Direito e da Verdade.
E desde que V. Exa. justamente assombrado ante o que se passa neste paiz, está sendo um dos poucos (mas poucos que teem a força das legiões) que se empenham pela desaffronta desta geração perante a História, julgo que é do meu dever, o dever piedoso e santo que me é imposto pela memória saudosíssima de meu infeliz esposo, contribuir para que V. Exa. exerça neste momento a heróica e sagrada missão de clamar por desaggravo completo à honra e à inoccência das victimas que aqui foram sacrificadas ao furor incontinente e aos desvarios de homens que já teem a consciência galvanizada pelo mal.
Não repetirei o que por certo V. Exa. já sabe, em relação aos successos que, desde princípios de 1894, se deram neste Estado; mas em poucas palavras recordarei quanto do papel que coube ao meu inditoso marido, o Barão do Serro Azul, no meio dos acontecimentos que se desdobraram.
V. Exa., decerto, já tem notícias das condições em que o então governador deste infelliz Paraná, Dr. Vicente Machado da Silva Lima, abandonara esta capital em Janeiro de 1894, deixando forças do governo luctando em diversos pontos e sem communicar essa inesperada resolução sequer aos mais íntimos amigos seus que se achavam na cidade.
Curitiba (a mísera Curitiba! – como justificadamente disseram folhas de S. Paulo) ficou inteiramente entregue aos azares do desconhecido; pois o governador, ao retirar-se, nem ao menos incumbira a municipalidade da polícia urbana! Tribunais, repartições públicas, commercio, officinas, e as famílias absolutamente à mercê do primeiro salteio, enquanto a autoridade legal contradizia os seus protestos da véspera fugindo em desespero para o Estado vizinho. É fácil fazer uma idéia da situação em que se viram estas populações, suffocadas de pavor ante os extranhos sucessos que se passavam, e ainda sob as impressões e suspeitas que lhes haviam posto no coração transtornado, de que andávamos em vésperas de saque, do extermínio, do arrasamento que passariam por esta terra com as hostes temerosas da revolução.
Em semelhante conjunctura, as classes em que é mais natural e profundo o espírito de conservação, recorreram ao único meio que parecia efficaz no sentido de garantir ao menos os direitos primordiaes das gentes: isto é – fizeram a escolha de uma comissão que tomasse a si o trabalho de neutralisar, como fosse possível, as violências a que se achava exposta a cidade. Foi assim que meu marido, com outros membros do commercio e das diversas classes, tomou a si o grande e penoso encargo de collocar-se entre os revolucionários triuphantes e a família paranaense, cuja paz e cujos direitos o governo legal estava impossibilitado de assegurar no momento.
A população inteira de Curitiba, os próprios adversários ou desafectos do Barão do Serro Azul ainda podem dizer hoje como e com que sacrifício de saúde e de seus interesses elle tornou-se o centro e a alma da commissão; arregrando tudo, contendo ímpetos , fazendo em summa quanto pudesse attenuar para o commercio, para a industria, para a propriedade e para a família curitibana, os effeitos da emmergencia excepcional em que se via a cidade. Um só documento será capaz alguém de apresentar de que meu marido siquer tivesse sympathias pela revolução. Em vez disso, seria facílimo fornecer provas positivas de que o Barão do Serro Azul, aos próprios chefes revolucionários, nunca dissimulou o seu modo de pensar a respeito do immenso descalabro que a invasão vinha causar ao Paraná e e especialmente quanto à efficacia do extremo recurso da revolta como meio de corrigir os erros da tyrannia e operar o restabelecimento da Constituição e das leis – de modo horroroso subvertidas pelas paixões dos próprios homens que tinham o dever de conservar-lhes immaculada a pureza e a magestade intangível. Foi tal, senhor – e o Paraná inteiro ahi tereis para confirmal-o – foi tal a reação exercida por meu inditoso marido nos dias dolorosos em que Curitiba esteve pelo Governo entregue à revolução triumphante, que o commercio, a industria, a imprensa, todas as classes sociaes apontavam-no sempre como o elemento principal da grande força que constituiu-se à égide do direito, da ordem, da tranqüilidade de todos, tanto quanto era humanamente possível naquelles momentos anormaes.
E tão certo e convencido estava o Barão do Serro de que os serviços que prestara pela última vez a esta terra, que tanto lhe mereceu e que por ninguém, mais do que por elle, foi servida com desinteresse e solicitude indiscutíveis, tão certo, digo senhor, de que taes esforços seriam reconhecidos e louvados pelo governo que retomava o seu posto – que absolutamente recusou fazer o que todos os culpados fizeram. Com calma e até com satisfação e alacridade, esperava, pode-se dizer sorrindo, o governo legal, a quem desejava até dar contas do modo nobre como soubera zelar do direito, da fortuna e da honra de seus patrícios – honra, direito e fortuna que a autoridade legítima não tinha tido a coragem de amparar e defender.
Mas, logo nos primeiros dias após a chegada das tropas legaes, entre cujas fileiras o governador que fugira estava como um triumphador, meu marido percebeu que os sentimentos dos que voltavam desmentiam toda a convicção com que via restabelecer-se a lei na terra paranaense; e isto não sem pasmo da população inteira, que suppunha-se mais com direito à condolência pelo seu sofrimento, do que no risco de vir a padecer castigos por uma culpa que só o Governo commetera desertando o seu posto de guarda da Lei e garantidor da paz e da ordem. E que julga V. Exa. que fosse o pensamento de que vinha cheia a alma dos que haviam fugido?
Não quero alongar-me demais dando conta do que occorreu, dos excessos de toda ordem que caracterisaram os angustiosos longos primeiros dias da reocupação legal. Um dia há de haver quem se incumba de dar à América, para escarmento dessa geração, uma pintura fiel e minuciosa desses incríveis insucessos, que encheram de mágua e de santa revolta até a alma dos mais indifferentes e que fizeram esquecer de todo os males, os insignificantes males da revolução!
Para o que me proccupa, é bastante dizer a V. Exa. que – entre o assombro que lhe produzia a descaroável e monstruosa conducta que se annunciava contra todos os que não tinham opposto à invasão a resistência da fura, e a mágua que lhe calou fundo no coração sentindo ainda uma vez a sua virtude impotente para fazer emmudecer a perversidade, a inveja e a calumnia – meu marido cedeu a instancias da família reservando-se às violências que tinham já começado a ser praticadas contra a população, deve-se dizer, pois os quartéis, os theatros e até casas escolares desta capital regorgitavam de presos, em toda expansão da ferocidade republicana, semelhante aos instinctos daquelle deus cujas iras applacavam-se pela vingação e pelo sangue dos holocaustos. Dessa cautelosa reserva, no dia 10, meu marido sahiu, como sahira Jesus das Oliveiras – entregue por um amigo dos muitos em quem teve a infelicidade de crer.
Já estava em nossa casa muito tranquillo e confiante na misera justiça dos homens, e até sem reprimir palavras de elogios ao general Ewerton Quadros (que o havia apenas pro formula detido sob palavra) quando o coronel Pires Ferreira, acompanhado de outros militares, procura meu marido para uma conferencia, conferencia esta na véspera annunciada, com todas as seguranças de cordialidade e boa fé, por parte do commandante do districto. Como (talvez pressentindo que aquelles homens traziam para o meu lar a desgraça que aqui está bradando eternamente para o ceo) não quizesse eu acompanhar meu marido à sala, após uma prosa cordial e expansiva, tive de ver no recinto íntimo de minha família aquels frontes cuja impressão ainda hoje me tortura. E então meu esposo contou-me que o governador fazia uma carga immensa de responsabilidades contra elle e que por isso devia recolher-se ao quartel no dia seguinte. Sem conter o incommodo que todos deviam ter notado no meu semblante, perguntei logo si era com a prisão que se compensavam os serviços feitos por meu marido a Curitiba, ao que me respondeu o coronel Pires Ferreira: “Oh! Minha senhora, pois V. Exa. nos falla em prisão! V. Exa. esquece que sou o coronel Pires Ferreira, velho amigo do Conselheiro Correia e, portanto, amigo de seu esposo!… Sra. Baroneza, tranquillise-se: o Barão não é preso, o Barão é meu hóspede”.
No dia seguinte, meu marido recolheu-se a uma sala do quartel do corpo commandado pelo coronel Pires Ferreira. Alli deu-se a mais plena liberdade ao hospede, com quem o commandante conviveu na mais perfeita e apparentemente mais cordial intimidade durante seis dias. A sala em que meu marido foi aposentado tinha janella para a rua e a entrada era inteiramente franca para todos. À noite, o Barão, o coronel e outros oficiaes jogavam quase sempre o solo.
Mas, ouça V. Exa., ouça senhor, e diga que não crê para honra da piedade humana: vive ainda official do exercito que, compungido, disse uma vez à pessoa de minha família – que sentia horror ao ver aquelle homem, que tinha conhecimento de tudo que estava para passar-se, e alli a encarar o barão sem tremer e a tratal-o de amigo!
Talvez V. Exa. não comprehenda ou pelo menos não encontre explicação para as deferencias especiais que se tinha com meu marido. Pois bem: agora V. Exa. fica sabendo que o plano era este: instigar no hóspede o desejo de fugir para ser trucidado sem responsabilidade criminal!
Decorridos quatro ou cinco dias, achando-me de visita a meu marido, ouvi do coronel: “Já sabe, sra. Baroneza, que conversei hoje longamente com o Barão. Estou sciente de quanto houve por aqui. Deixe tudo por minha conta”. E passa um instante, acrescentou: “E não há de ver, sra. Baroneza, que o Barão é também religioso!”. Ironia pungente à fé puríssima e à conhecida religiosidade de meu esposo.
E quando confirmei os sentimentos que se extranhava naquelle dito, ouvi o coronel Pires Ferreira, ouvi sahir dos lábios meio cerrados daquelle homem sinistro e quase à meia voz– “Pois que se console… porque Christo também soffreu…”
Taes palavras (e no tom em que foram ditas) arripiaram-me; entretanto, sempre eu entendia que a resignação aconselhada era para aquelle soffrimento da prisão.
Nesse dia, e sem que a nada me magoasse mais do que era natural (pois o coronel soubera habilmente preparar o meu espírito para ella) tive sciencia de que o barão se passaria para o quartel do 17º, onde ficaria com outros presos. Effectivamente, no dia seguinte, meu marido ia, de carro e com todas as attenções, para a sua nova prisão.
Quando elle tomou o carro, o coronel da janella, correspondeu amavelmente ao seu ultimo acceno de mão, e logo que o vehiculo partiu – da alma do coronel Pires Ferreira sahiu esta phrase ouvida por alguns de seus officiaes: “Este será liquidado dentro de dous dias…”.
O prognostico realisou-se com a differença apenas de um dia.
O resto V. Exa. sabe e eu procuro desviar da minha imaginação aquelle trem-esquife que, às 10 horas da noute de 20 de maio de 1894, partiu de Curitiba conduzindo o Barão do Serro Azul e seus companheiros de sacrifício.
No momento em que o comboio-tumba partia da estação, o coronel Pires Ferreira achava-se em um dos clubes desta capital e, da sacada do prédio houve quem lhe surprehendesse esta phrase escapada daquella alma tremenda: “Oh! Que inconveniência! Deixarem apitar um trem destes!…”
V. Exa. decerto há de ter tido noticia do modo como se consumou aquella monstruosidade que maculou para sempre a civilisação deste paiz e que não encontra símile na história da humanidade. E não fora a minha fé, senhor, a minha fotaleza moral e a resignação que sinto lembrando-me de Jesus, como se comprehenderia que me ficasse ainda, depois de todas estas angustias, este resto de vida e de coragem para resistir à loucura no meio da minha desgraça!
Só alguns dias passados, o boato começou a correr pela cidade; e às esposas aflictas que procuravam o comandante militar para ouvir o desmentido da nova inverossímil, affirmava o general Ewerton Quadros, com sorriso nos lábios e com mostras de sinceridade atravez das quais era impossível perceber um resquício de remorso, affirmava sob sua palavra de honra que os presos haviam seguido para o Rio.
E quando a alma da população inteira foi-se enchendo de oppressão horrível ante as versões que corriam como um clamor de dies ire, deixando por sobre a capital do Paraná a a sombra pavorosa da agonia e do lucto – o general, cuja espada viera restaurar a lei, mandava que as bandas militares, com o som da música festiva, dispersassem os agoiros que suspendiam a vida de um povo, como quem a gritos estridentes espanta uma corvada que fareja matanças! Ao mesmo tempo, senhor, fazia-se declarar às famílias das victimas que não podiam cerrar as portas nem dar outras demonstrações de lucto… sim – visto como era falso o que se fallava…
O governador deste estado, naquelle tempo, V. EXa. sabe também, é hoje senador da Repúblilca, e com o coronel Pires Ferreira, ahi está clamando porque, antes de tudo, se approvem os actos do Marechal Floriano e necessariamente todas as monstruosidades comettidas em nome do Vice-Presidente da República . Até agora, portanto, os dous homens (homens, senhor!) que fizeram no Itararé o conhecido pacto negro, manteem-se fiéis ao seu juramento de covardia e de sangue: estão ambos no Senado da pátria, naturalmente bendizendo a mísera que, como Prometheu aos seus abutres, os alimenta de posição e talvez de fortuna, com o próprio sangue e com a desgraça de seus filhos.
É possível senhor que se quizesse contestar esta narração; e V. Exa. comprehende que almas assim avassaladas do crime e entregues às convulsões da sua fereza, devem ter ainda a serenidade da hyena para o desplante de limpar das fauces o sangue das victimas.
É verdade também que poderiam alludir à minha suspeição de mulher e de viúva obumbrada pela fatalidade que me feriu. Mas, senhor, o que ahi fica – peço a V. Exa. que não esqueça agora – nasce da alma de uma creatura que tem os olhos voltados para a misericórida de Deus e que não clama sinão pela Justiça, para que o martyrio das victimas não fique pesando sobre os destinos deste paiz, em que tenho de deixar os meus tristes filhos.
Com toda a consideração e respeito, subscrevo-me de V. Exa. criada, obrigadíssima. (a)
Baroneza do Serro Azul. Curitiba, 8 de junho de 1895″.
Jornal Olho da Rua 1911
Vamos lá…
O Senador do estado do Paraná, Osmar dias , em dezembro de 2004, apresentou o projeto de lei do Senado nº 354, que propôs a inscrição do nome do barão de Serro Azul no Livro dos Heróis da Pátria. A Lei nº 11.863 de 15 dezembro de 2008, foi sancionada pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e publicada no Diário Oficial da União em 16 de dezembro de 2008, inscrevendo o nome de Ildefonso Pereira Correia, o Barão de Serro Azul, no Livro dos Heróis da Pátria, depositado no Panteão da Liberdade e da Democracia, em Brasília.
Ildefonso Pereira Correia, barão do Serro Azul nasceu em Paranaguá no dia 6 de agosto de 1845. Era filho do maçom, Comendador Manoel Francisco Corrêa Junior, fundador da primeira Loja Maçônica do Paraná a Loja “União Paranagüense”, criada em 21 de março de 1837.
Manoel Francisco Corrêa Junior era um homem proeminente em sua época, proprietário de navios e ainda era “Chefe de Legião” do Governo Imperial em Paranaguá, era o que conhecemos após essa época como “Guarda Nacional”.
Nasceu numa época em que seu pai havia caído em desgraça junto ao Imperador, porque havia imprimido e distribuído folhetos onde pregava idéias de emancipação da então 3° Comarca , depois da 5° Comarca de São Paulo (Atualmente após pesquisas, acabou sendo na realidade a 10° Comarca).
Tal gesto foi considerado uma ameaça velada ao governo Imperial, imperdoável e que lhe acarretou a destituição de todos os comandos. Vítima do desagrado governamental, foi humilhado e esquecido.
A chegada de mais um filho confortava-o naquela hora de frustração e desespero. Seu nome homenageia o padre que o batizou: Ildefonso Xavier Ferreira, uma das figuras mais notáveis do clero, do magistério e da política paulista o nome desse novo varão seria Idelfonso Pereira Correia.
Em 1857, Ildefonso viu morrer o pai, que aprendera a admirar com quase fanatismo, e do qual gravou como uma advertência profética, as palavras pessimistas, ditadas no leito de dor: “Vivendo com honra deves fazer por seres independente, visto que só o real serve se a maldade triunfa sempre das melhores, mais generosas e desinteressadas ações”.
O pequeno Ildefonso estava acostumado a ver seus tios e irmãos mais velhos alçarem vôos em busca de posições eminentes na administração dos negócios públicos ou nas câmaras, não deixando de considerar, no entanto, as flutuações da política que traziam sempre decepções e desditas
Flutuações da política que traziam sempre decepções e desditas.
Admirava o jovem imperador, que lhe parecia ter saído de um conto de fadas.
Seu irmão mais velho, Manoel Francisco, exercia cargos no Império, chegando a ocupar o Ministério do Exterior e se eleger senador. Outro irmão, Francisco, foi nomeado para o governo da província de Santa Catarina.
Poder-se-ia antever que o jovem parananguara seguiria a vocação política de seus maiores, ou por atavismo, ou por influência da atmosfera polêmica que diariamente respirava.
Os Correia possuíam uma nobreza própria, uma fidalguia peculiar, independente mesmo dos títulos nobiliárquicos.
Cursou as primeiras letras em Paranaguá mas fez seu Curso de Humanidades no Colégio Fraze, em Nova Friburgo, Província do Rio de Janeiro.
Espírito prático, investigador e arguto, orientava-se em todas as questões com admirável firmeza, principalmente em finanças e economia política.
Por orientação de seu irmão Pedro de Alcantara, Idelfonso ficou durante cinco anos em Montevidéu e Buenos Aires, aonde adquiriu prática comercial e industrial, conhecendo melhor os mercados locais, que eram os maiores mercados consumidores da Erva-Mate brasileira.
Com a suspensão da importação de Erva-Mate paraguaia em função da Guerra do Paraguai, aventou-se a possibilidade de incrementar ainda mais os negócios naqueles mercados agora totalmente abertos.
Idelfonso continuava assim a obra de seu Pai que era proprietário de engenhos de Erva-Mate.
Em 1868 voltou a Paranaguá, passando a ser o responsável pelo escritório de seu irmão.
Em 1869, foi proposto na Loja “Perseverança” de Paranaguá na sessão do dia 23 de Março de 1869. foi marcada sua iniciação para uma data posterior. Todavia, não se sabe se foi iniciado ou não porque em 1922, um incêndio destruiu o templo daquela Loja, inclusive todos os Livros de Atas, menos o primeiro, que por sinal não estava no interior do prédio. Apesar de sua iniciação ter sido dada como certa como cita o parnaguara Dário Nogueira dos Santos, um dos primeiros historiadores maçônicos paranaenses, não há uma única menção em qualquer livro ATA, ou documento que comprove que ele tenha sido iniciado realmente. Entretanto quase todos os seus parentes foram maçons bem como a maioria de seus amigos mais próximos.
Ao festejar 27 anos, encanta-o sua bonita prima Maria José, a quem carinhosamente, chama de Coca. O casamento entre parentes seguia o costume da família. Em 4 de Dezembro de 1872 casou-se com Coca, com a qual teve três filhos , que futuramente já baronesa viria a pertencer a primeira Loja de Adoção (Feminina) que existiu no Paraná, fundada em 1901, com o título distintivo de “Filhas de Acácias“, sob a tutela da Loja “Acácia Paranaense” fundada em 2 de Julho de 1900 Grande Oriente do Brasil.
Paranaguá assistiu, em traje de gala, a cerimônia nupcial, em 1872, a 24 de dezembro. O novo lar se consolidaria em Antonina. O jovem industrial organiza, em sociedade com o irmão Pedro de Alcântara, casa comercial de rápido sucesso. E com David Antonio da Silva Carneiro (iniciado na Loja Perseverança) seu compadre e com ele instala seu primeiro engenho de mate de marca “Idelfonso”.
Em Antonina foi 1° Suplente de juiz municipal, também foi camarista (vereador), chegando a ser presidente da Câmara.
Idelfonso Pereira Correia pertenceu a uma ilustre família de abastados proprietários e chefes políticos da época . Seu irmão Manoel Francisco Correia foi Senador do Império em 1877, tendo sido Ministro do Exterior em 1873. Seu tio era o famoso Visconde de Nacar (Manoel de Antonio Guimarães, maçom iniciado na Loja “União Parnagüense”, de Paranaguá , onde foi seu Venerável.
Das suas irmãs, Maria Barbara casou-se com o maçom Ermelino de Leão (Loja União Parnagüense), e que por três vezes foi vice-presidente da província assumindo a presidência inteirinamente; Francisca casou-se com o maçom Comendador Antonio Alves de Araujo (Loja Perseverança), que igualmente exerceu a vice-presidência , também ocupando a presidência inteirinamente da Província e Euforina que se casou com o maçom Candido Ferreira de Abreu que pertencerá a Loja “Fraternidade Paranaense“.
O êxito desses empreendimentos lhe permite viajar aos Estados Unidos, quatro anos depois, e exibir seus produtos numa célebre exposição americana.
Experimenta, pela primeira vez, o gosto fascinante do sucesso. A fortuna começava a bater-lhe à porta. Formou-se no litoral uma elite de ervateiros. Da concentração em torno do mate surgia uma aristocracia regional fortemente próspera.
Quando o tráfego pela Estrada da Graciosa deslocou o eixo econômico do Estado, Ildefonso mudou-se, com a família, para Curitiba, onde poderia melhor trabalhar com perspectivas de expansão comercial e industrial.
Adquire, amplia e moderniza o Engenho Iguaçu, na Rua Comendador Araújo. Projeta o Engenho Tibagi e o conclue em 1884, conferindo feição completamente nova à fabricação da erva-mate.
Ildefonso dava largueza ao seu espírito criativo e empreendedor.
O traço, porém, que lhe ressaltava a fisionomia moral era seu radiante espírito de caridade, o lado afetivo da sua natureza, imensamente sensível e piedosa, aberta a todas as emoções altruísticas das almas de eleição. Os benefícios que espalhava não consistiam em algumas esmolas com que, algumas vezes, costumam os argentários, fartos e felizes, satisfazer a vaidade.
Ele protegia eficazmente, sem alardes, nem ostentação, antes com uma modéstia e discrição de quem cumpre o dever mais simples do mundo os que recorriam ao seu valimento; amparava os aflitos, animava os laboriosos e estimulava os moços de talento. Em suma, a aproximação dessa meiga, simpática e nobre criatura, de uma doce sedução pessoal, tinha qualquer coisa de suave, de consolador e de afago paternal.
Corria o mês de julho de 1891.Um frio intenso cortava as carnes. Sobre os campos, pelas manhãs claras e louras, estendia-se a alvíssima toalha da geada.
Na véspera de São João, Ildefonso convida Leôncio Correia a dar um passeio à Roseira, mas este, por motivo de trabalho, não pode aquiescer ao convite. Na tarde do dia seguinte, tarde implacavelmente batida de um frio enregelador, o filantropo paranaense regressava. Ao jantar, Leôncio lhe indaga das impressões trazidas da viagem. Ele sacudiu melancolicamente a cabeça e não disse nenhuma palavra.
Finda a refeição, no escritório, ele confidencia ao primo: Você acertou em não ter ido… Que miséria! Criancinhas roxas de frio, apenas com uma leve camisa sobre a pele! E por alimento – pinhões, unicamente!
Um espetáculo de cortar o coração!
Pesou, por instantes, no ambiente, um silêncio terrível. E, rompendo-o, tornou, passando significativamente, os dedos pelos cabelos: Vou estabelecer lá uma serraria, para dar trabalho e ganho àquela pobre gente!
E assim o fez.
Ildefonso, além de haver conquistado a condição de maior exportador de mate da província, negociava com gêneros de consumo e com madeira de pinho, produzida pelas Serrarias São Sebastião, situada nos campos da Roseira, então distrito de São José dos Pinhais; instalada nas matas do Guatupê, então distrito de Piraquara; e Volteio no Miringuava. Pertencia-lhe também a Olaria Santo Inácio…
O traço que completa a fisionomia moral do Barão do Serro Azul é o seu espírito de caridade. Alma generosa e grande, amando o bem por índole, praticando a virtude naturalmente, sem esforço, sem contrariedades, como se fizesse isso parte dos deveres de sua vida.
Homem inteligente e culto, possuía uma preciosa biblioteca formada de livros, na maioria clássicos; apreciava a arte, principalmente a arquitetura e a escultura.
E, no apogeu de sua prosperidade industrial, ele solicita o máximo esmero dos engenheiros italianos Ângelo Vendramin e Batista Casagrande na conclusão de seu palacete , à Rua do Serrito, atual Rua Carlos Cavalcanti.
Solar do Barão
Nele se viam todas as novidades do Velho Mundo; atualizando-se com as modernas conquistas da técnica, mandou implantar uma linha telefônica entre o palacete e seus engenhos. Não raro os meninos travessos perturbavam as comunicações, danificando os fios com raias e atiradeiras.
Ele podia se dar ao capricho do luxo e da opulência, sem perder, contudo, o traço de humildade e humanismo que o mantinham aproximado dos pobres
Honesto e progressista, como comerciante e como homem público.
Grande alma. Coração bondoso.Caráter nobre e puro. Homem laborioso e probo. Espírito empreendedor e de iniciativa.
Foi o maior e mais abastado industrial, no seu tempo.
Todas as iniciativas progressistas e caridosas buscavam o seu apoio, que não recusava, sempre que se tratasse do bem da província ou da semeadura do bem a favor do próximo.
Tinha satisfação em ser útil: a sua bondade fez com que se lhe desse o título póstumo de Pai dos Pobres.
Foi fundador, mentor e 1º Presidente do Clube Curitibano e da Associação Comercial do Paraná, do Banco Mercantil e Industrial do Paraná, Fez parte da Comissão Politica do “Clube Republicano”.
Como político, pertenceu ao Partido Conservador, mas, sem possuir espírito partidário, pois sempre foi liberal e patriota, procurando conciliar e contornar as situações difíceis, embora, muitas vezes, prejudiciais aos seus negócios.
Quando em 1880, Curitiba se engalana para a visita do Imperador D. Pedro II e Dona Tereza Cristina, o nome de Ildefonso figura no grupo de recepção. Sua mulher, Maria José, também é destacada para as honras do salão, no aristocrático baile do Museu Provincial, em louvor da imperial comitiva.
Conta a tradição que, no Paço, o Imperador deveria ser saudado pelo Dr. Tertuliano Teixeira de Freitas. Verificando D. Pedro II que o orador dispunha de um calhamaço volumosíssimo, arrebatou-lhe, cordialmente, das mãos, agradeceu-lhe sorrindo, escondeu cautelosamente as laudas e acenou para o povo, dando por finda a cerimônia.
O baile empolgou a sociedade. E não passou despercebido ao monarca, aquele casal sóbrio e simpático, ao ritmo de Strauss.
Pedro I estabelecera, por decreto imperial, a Ordem da Rosa, tendo em vista perpetuar a memória do seu consórcio com Dona Amélia de Leuchtenber e Eischtaedt. Diz-se que, ao avistar a imperatriz, que desembarcou com um vestido de gaze branca, salpicado de rosas entreabertas, assaltou o espírito do monarca, a idéia de constituir mais essa Ordem, destinada a premiar militares e civis, nacionais e estrangeiros, que se distinguissem por sua fidelidade à pessoa do Imperador, e por serviços prestados ao Estado.
A Ordem da Rosa foi para D. Pedro II a moeda de honra de que mais se utilizou, premiando o professor, o homem de iniciativa na indústria e na lavoura, e o senhor que alforriava escravos.
Sintetizava Amor e Fidelidade.
Dentro desse espírito e obediente aos interesses da Coroa, D. Pedro II, ao regressar ao Rio, por decreto de 31.08.1880, agracia vários cidadãos do Paraná,. pelos relevantes serviços prestados ao Estado. Ildefonso Pereira Correia era um deles. Passaria a usar o título de Comendador.
Em 1884, quando a Princesa Isabel e o Conde D´Eu (Maçom) vieram ao Paraná, coube ao Comendador oferecer seu palacete para residência dos príncipes.
Quando a campanha abolicionista inflama a Província do Paraná, o Comendador Ildefonso Pereira Correia, toma-se de justo entusiasmo e declara, em um discurso, comprometer-se na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de Curitiba, a promover a emancipação dos escravos do Município, a fim de que, na futura sessão magna dessa Associação, se pudesse afirmar que a capital da Província não tinha mais escravos.
Foi um dos maiores abolicionistas do Paraná. Comprava a alforria de escravos.
Pertenceu a uma sociedade secreta de pessoas importantes a sua maioria maçons chamada “Ultimatum” que entre outras atividades sequestrava escravos e os enviava a Países da Bacia do Prata geralmente Uruguai.
Ele passou a comandar a campanha de arrecadação de fundos, que tantos benefícios prestou à causa da abolição, indiferente à crise do pinho no mercado internacional, que o obriga a liquidar sua empresa de comercialização de madeiras. A campanha rendeu 408$000. Ildefonso contribuiu com 150$000.
Engenho de Mate do Batel foto de 1885
Ildefonso Pereira Correia foi o 25º Presidente da província do Paraná, ocupando o posto de 30.06.1888 a 04.08.1888.
E por todos os serviços prestados à Coroa, a 08.08.1888, ele é agraciado com o título de Barão do Serro Azul.
Em 8 de Agosto de 1888, o Comendador Idelfonso foi tornado por decreto imperial Barão do Serro Azul, seu retorno do Rio de Janeiro, onde fora receber o baronato, ocasionou uma das maiores festas que Curitiba ja assistiu no século XIX.
Politicos dos dois partidos foram recebê-lo na estação.
Aguardavan-o com Banda de Musica Foguetes .
Doou o terreno ao Estado e construiu a Escola Tirandentes.
Em 1889, fundou o Banco Mercantil e Industrial do Paraná. Em 20 de Agosto de 1890 fundou a Associação Comercial do Paraná, sendo seu primeiro presidente. Em 1891, adquiriu o Jornal 19 de Dezembro de Candido Lopes e anexado à sua litografia fez a fusão, constituindo a Companhia Impressora Paranaense.
Acabou tendo controle acionario da Ferrovia Caril de Curitiba.
Adquiriu o Jornal Diário do Comercio, dando a sua direção a seu sobrinho o maçom Leoncio Correia.
Fez Parte da comissão de construção da Catedral Metropolitana de Curitiba, inaugurada em 7 de Setembro de 1893, tendo seu nome inscrito numa placa de mármore na entrada do templo.
Onde meses depois proclama-se a República.
Leôncio Correia nos conta: Durante os últimos anos da monarquia, teve sempre a seu lado, como amigo, um correligionário., Com ele entrou na República. A ele colmava de gentilezas e cobria de obséquios, mas deixou de corresponder a um pedido – e a derrocada afetiva foi estrondosa e cruciante!
O correligionário e o amigo, por escrito em jornais e arengas em todos os lugares, movia-lhe uma insidiosa campanha de difamação. Dias passados – e bem poucos – o agressor insólito adoece. À hora do almoço mandou-me que o visitasse, mas em seu nome. Ao jantar, comuniquei que o visitado se encontrava em situação duplamente deplorável: gravemente enfermo e sem recursos até mesmo para aquisição de medicamentos. Finda a refeição, entregou-me com uma naturalidade, uma despreocupação, uma modéstia encantadora, duzentos mil réis, para que eu, discretamente, sem ninguém o percebesse, deixasse sob o travesseiro do doente – recomendou-me.
Uma semana decorrida, e este, após dolorosa agonia, deixava a família na mais negra miséria. E ele me manda, imediatamente, dar pêsames à família, com a incumbência, também, de obter licença para fazer as despesas do enterro!
Ildefonso mantinha a simplicidade de uma vida metódica. Adorava passear pelos jardins da casa, conduzindo pelas mãos os três filhos: Siroba, Caloca e Ildefonso, como a despertar-lhes o gosto pela natureza e pelo milagre da criação. O jardim era a sua vida. As camélias brancas, em especial.
De porte mediano, magro, barba sempre bem tratada, voz clara, afetado por ligeira surdez, caracterizava-o singular aparência varonil. Detinha costumes austeros. Vestia-se com medida discrição.
A baronesa era expansiva, espírito alegre e aberto. Muito espirituosa: amiga da pobreza. Dedicava-se às campanhas filantrópicas e detestava as recepções de gala.
Distribuía, no Natal, presentes a mancheias. Seu jeito descontraído e aberto contrastava, em parte, com o ar senhorial do Barão.
Com a proclamação da República, o governador Vicente Machado da Silva Lima (Maçom) convidou o barão do Serro Azul para a comissão organizadora do partido Republicano. Repentinamente a situação política mudou:
O marechal Deodoro da Fonseca renunciou e o marechal Floriano Peixoto assumiu a presidência, dissolveu o Congresso e convocou novas eleições.
O pensamento de Idelfonso sobre a politica depois da queda da monarquia era que todos os partidos no Paraná se unissem por isso foi chamado por Vicente Machado para compor isso.
No Rio Grande do Sul, o governo Júlio Prates de Castilhos, apoiado pelo marechal Floriano Peixoto reprimiu a oposição e logo começou a revolução Federalista, conhecida por revolução das degolas. A causa da revolução foi a instabilidade política gerada pelos federalistas, que pretendiam “libertar o Rio Grande do Sul da tirania de Júlio Prates de Castilhos”. Assim inicia-se uma guerra civil, que durou de fevereiro de 1893 a agosto de 1895, e que foi vencida pelos pica-paus, seguidores de Júlio de Castilhos.
O Partido Federalista do Rio Grande do Sul foi fundado em 1892 por Gaspar Silveira Martins. Em tese, defendia o sistema parlamentar de governo e a revisão da Constituição, pretendendo o fortalecimento do Brasil como União Federativa. Desta forma, esta filosofia chocava-se frontalmente contra a constituição do Rio Grande do Sul de 1891. Esta era inspirada no positivismo e no presidencialismo, resguardando a autonomia estadual, filosofia adotada por Júlio de Castilhos, chefe do Partido Republicano Rio-grandense, e que seguia o princípio comtiano-positivista das “pequenas pátrias”.
Os seguidores de Gaspar da Silveira Martins, Gasparistas ou maragatos, eram frontalmente opostos aos seguidores de Júlio de Castilhos, castilhistas ou Pica-paus.
Maragatos – Identificados pelo lenço vermelho, defendiam o credo político pregado pelo federalista Gaspar da Silveira Martins, adversário do republicano Júlio de Castilhos. O Termo vem de descendentes da Maragatéia na Espanha, cujos habitantes têm o nome de maragatos, são uma espécie de ciganos. Os maragatos espanhóis eram eminentemente nômades, e adotavam profissões que lhes permitissem estar em constante deslocamento. Na época da revolução, os republicanos legalistas usavam esta apelação como pejorativa, atribuindo-lhes propósitos mercenários. No entanto, dar esse apelido aos revolucionários foi um tiro que saiu pela culatra. A denominação granjeou simpatia. Os próprios rebeldes passaram a se denominar “maragatos”.
Pica-paus – Eram chamados de Pica-paus durante a Revolução Federalista de 1893 no Rio Grande do Sul, os opositores dos maragatos. Identificados pelo lenço verde “O lenço branco e o termo Chimangos só viria a ser usado na Revolução Libertadora de 1923 para designar os seguidores de Borges de Medeiros”. Os pica-paus estavam no poder com Júlio de Castilhos e tinham forte vínculo com o Governo Federal. O motivo da alcunha veio pelo chapéu usado pelos militares que apoiavam essa facção. Eles usavam listras brancas que, segundo os revolucionários, seriam semelhantes a um tipo de pica-pau do Sul do Brasil.
No Rio de Janeiro, os almirantes Custódio de Melo e Saldanha da Gama comandaram a Revolta da Armada. Santa Catarina caiu em poder dos revolucionários, e no dia 14 de outubro de 1893, a capital Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, foi declarada provisoriamente capital do Brasil, convertendo-se em base de operações militares dos movimentos de revolta originados separadamente no Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. Enquanto isto, separada por longas distâncias geográficas, Curitiba estava em paz.
Uma força de maragatos (rebeldes federalistas gaúchos) comandada por Gumercindo Saraiva veio do Rio Grande do Sul em direção Rio de Janeiro. Passando por Nossa Senhora do Desterro, juntou-se aos aliados da Revolta da Armada e, dali, partiu com destino à Curitiba. O plano dos chefes maragatos previa o domínio do Paraná com um ataque conjugado por forças de terra e mar, e uma revolta em São Paulo se ali chegassem as tropas rebeldes.
O comando legalista enviou para o Paraná batalhões formados por tropas regulares e voluntários civis do Rio de Janeiro e São Paulo. Em janeiro de 1894, estes chegaram à Lapa, a sessenta quilômetros a sudoeste de Curitiba, onde se travou uma terrível batalha. Durantes 26 dias as tropas legalistas resistiram aos ataques das forças muito mais numerosas dos maragatos.
Na madrugada de 17 de janeiro de 1894, uma brigada comandada por João Meneses Dória tomou a estação de Serrinha. Com a cumplicidade dos funcionários, passou a responder aos chamados telegráficos como se fosse das tropas legalistas de Lapa, avisando que milhares de rebeldes estavam marchando para a Curitiba. Houve pânico na capital. Devido ao abandono de Curitiba pelas tropas legalistas, a cidade passou a ser dirigida por uma Junta Governativa presidida pelo barão do Serro Azul.
No Paraná igual rivalidade existia entre os maçons Generoso Marques e Vicente Machado, tambem maçom. O Barão ficou a parte desta disputa.
No Palácio do Governo, uma aparente movimentação em favor da defesa da capital se fazia sentir. Vicente Machado, o governador em exercício, reunia-se com o comandante general Pego Jr. em busca de estratégias para a defesa da capital, enquanto avaliavam o avanço federalista.
Foi quando, ingenuamente, o Barão do Serro Azul, acompanhado de uma Comissão formada por diretores da Associação Comercial, foi pedir ao governador que evitasse o derramamento de sangue na capital, a fim de não transformar Curitiba num campo de batalha. Apesar de recebido por Vicente Machado e pelo comandante Pego Jr., a resposta foi de que a cidade não seria poupada enquanto houvesse uma última gota de sangue. Ermelino de Leão, que desde logo viu no ato do Barão uma temeridade, expôs seu temor ao amigo e retirou-se da cidade como o fará Vicente Machado, logo após a fuga do seu valente comandante.
Em janeiro de 1894, o Paraná sente o peso do invasor e os pica-paus curitibanos, com seus lenços brancos, portando armas e posando como quem vai à luta, reúnem-se no Alto do São Francisco para assistir aos efeitos dos tiros de canhões em Tijucas, pequena cidade, nunca lembrada, que resistiu valorosamente a seis dias de cerco dos federalistas. (Acervo Diretoria do Patrimônio Histórico Cultural/FCC)
E, assim, Curitiba ficou abandonada, contando apenas com patrulhas formadas por cidadãos recrutados pelo Barão.
Dos temores, das arruaças, apenas os registros pessoais dão conta. A imprensa emudeceu. Nem tinha meios para circular. Quem pôde tratou de fugir.
Ainda assim, no dia 20 de janeiro a capital amanheceu em festa. Um mistério a forma como eram organizados tais festejos e recepções.
O retorno a Curitiba do federalista Menezes Dória, permanente opositor de Vicente Machado, já escolhido governador do Paraná, foi apoteótico.
O mesmo não se pode dizer da chegada do almirante Custódio de Mello – o líder da Revolta da Armada –, viajando em um trem especial e ainda não reconhecido pelos curitibanos mais atentos, ou mesmo de Gumercindo Saraiva, que entra na capital paranaense a cavalo e, portanto, sem a imponência de sua condição de comandante e chefe do Exército Revolucionário. Enquanto Dória vai cuidar do palácio, pragmáticos, Saraiva e o almirante convocam, de imediato, o Barão do Serro Azul para uma reunião: impunha-se a instalação de uma Comissão de Empréstimo de Guerra a ser presidida pelo próprio Barão, na qualidade de ocupante do cargo de presidente da Associação Comercial do Paraná, condição para que Curitiba não fosse saqueada.
Assim, Curitiba mantém os ares de capital dos federalistas, título que carregará juntamente com aquele de haver interrompido a marcha dos invasores, seduzindo-os à custa de muitas festas, bailes e missas fúnebres – assistidas pelo exército regular engalanado e maragatos de pés descalços, de oficiais hospedados em palacetes, enquanto Gumercindo Saraiva montou sua barraca numa praça. Esse viés sedutor de Curitiba é apontado por Ângelo Dourado, culto médico baiano, integrante da marcha federalista e braço direito do comandante maragato. O autor de Voluntários do martírio nota que a chegada a Curitiba fora decisiva, contudo, a permanência festiva foi amortecendo os ânimos:
“Tivemos depois um grande baile; a inauguração de um club. Apesar de fugir sempre de festas tive de ir porque fui avisado que nas paredes do club achavam-se cartões de ornamentação tendo cada cartão o nome de um dos salientes revolucionários e que o meu era um dos primeiros (…) Entre os divertimentos se anunciou um espetáculo de Fantoches. Uma grande cena da Lapa: mata, mata, era o que diziam os bonecos (…) Seguiu-se a grande cena de apoteose. Uma antiga corista de companhia lírica, que aqui dissolveu-se, enrolada num pano branco vara de andaime, onde estava atada uma bandeira já gasta, com a ordem e progresso de pernas para o ar.”
Logo a “Esquadra de Papelão” do Marechal Floriano começa a dar sinais de que derrotaria a armada rebelde.Em Curitiba, os federalistas foram ficando. Dória chega a mandar cantar um Te Deum “por se achar pacificado o Paraná”. Mais uma cerimônia vã, diz o memorialista, pois “apesar dessa paz as dissensões continuam”. Perspicaz observador esse baiano, que enquanto permaneceu em Curitiba publicava textos literários em A Federação.
Gumercindo irritado com as rivalidades e com o imobilismo que o tornara refém de Curitiba explode em fuzilamentos.
Para enorme surpresa dos curitibanos, em 25 de março, o jornal A Federação traz a grande nova: o general Cardoso Júnior passa a responder pelo Governo do Estado, enquanto Menezes Dória segue em direção a Paranaguá a fim de embarcar no “Henrique Barroso” rumo a Buenos Aires, “para salvar o empréstimo de guerra”.
Até 24 de abril todas as forças federalistas abandonam Curitiba, ficando apenas Gumercindo Saraiva com disposição para batalha, que marcha rumo a Ponta Grossa, a nova capital dos rebeldes.
Mas antes de abandonar a capital Vicente Machado não se sabe por que, enviou um telegrama ao Marechal Floriano.
“que o governo do Paraná havia sido assumido pelo Barão do Serro Azul, conhecido monarquista por ordem de Custódio de Mello”
O que era uma mentira tremenda como os fatos a seguir tentarão elucidar…
Menezes Dória chegando em Curitiba
Governador federalista Menezes Dória chega à Estação Ferroviária de Curitiba e é recepcionado por uma multidão festiva que não teve medo da chuva ou do sol. (Acervo Diretoria do Patrimônio Histórico Cultural/FCC)
Gumercindo Saraiva
O barão do Serro Azul foi convocado pelos cidadãos para fazer um acordo com os revolucionários que protegesse a população de violências, saques e estupros. A Junta Governativa de Curitiba transformou-se em “Comissão para Lançamento do Empréstimo de Guerra” com o propósito de arrecadar fundos para os rebeldes e com isso comprar a proteção da cidade. Embora o barão do Serro Azul e os comerciantes que apoiaram a comissão procurassem apenas manter a ordem na cidade, seus atos foram compreendidos como traição ao governo e colaboração aos rebeldes.
O tempo perdido pelos maragatos durante o cerco da Lapa permitiu que as tropas legalistas se agrupassem e recebessem reforços ao norte, em Itararé, na divisa São Paulo e Paraná. A resistência da Lapa impediu o avanço da revolução. Gumercindo, então impedido de avançar, bateu em retirada para o Rio Grande do Sul. As tropas governamentais recuperam Curitiba e anunciam o estado de sítio, em 04 de maio de 1894
Como ficará Curitiba nesse novo vácuo, a saber, até a chegada triunfal de Vicente Machado, em 5 de maio? Sem governo e sem jornais, restam as cartas, as anotações pessoais, os registros dos temores daqueles que ficaram entre quatro paredes, daqueles que sequer ousavam sair às ruas.
Vicente Machado reassume o Governo do estado do Paraná.
Rocha Pombo como um desabafo, assim Descreve o retorno das tropas Legalistas ao Paraná em seu livro “Para a História“. Como segue abaixo pequeno trecho de sua obra.
Vejamos como a autoridade legal, recolocada no seu posto, tratou de demonstrar que se achava restaurado o dominio da Lei.
Começou-se por fazer a demissão em massa dos funcionários (Quer Federais ou Estaduais), que não tinham podido fugir.
Não se imaginem que as Demissões ficaram resignadas a altos funcionários, mas até carteiros foram despedidos porque continuaram a servir sobre o “Regime Revolucionário)”, e ainda com uma nota grave de como Traidores da República…..
Um Telegrafista , dos muitos ou antes de todos os que se conservaram na sua repartição cumprindo seu dever, sofreu horrores em Castro, porque… não teve a retentiva de montar canhões na estação telegráfica para repelir “Gumercindo“.
Outros muitos deram-se por mais felizes, porque continuado a servir com o governo legal durante alguns meses, ao fim desse tempo foram demitidos, recusando-se lhes até o pagamento de despesas com luzes na estação, todos esses chefes de família e funcionários, que não pensavam em política, cuidando apenas de seu oficio.
Os revolucionários tinham criado um meio de punir os legalistas “vexando-os“, lançavam em prisões imundas, e até consta que alguns dos poucos a quem tiveram de infringir castigos foram constrangidos à faxina dos quartéis. Pois bem, a autoridade legal aproveitou, mas aproveitou demais a invenção.
Os cidadãos que iam sendo apanhados iam eram metidos no xadrez comum aonde ficavam entregues a todos os vexames e provações. Foi a primeira vez que tivemos no Paraná o espetáculo compungente de magistrados em promiscuidade com galés, em cubiculos asquerosos, onde se davam por felizes quando se lhes permitia que o socorro de algum amigo lhes poupassem os horrores da sede e da fome. Em todas as localidades do estado, a perseguição desenvolveu-se de maneira medonha.
Os cidadões “(os que não tinham sabido amar a república como o veado ama o pêlo…)”eram entregues aos heróis, como vitimas à despiedade de alguns desalmados. Pelos sítios afastados, os mais ferozes andavam a caça de gente e traziam com cordas, velhos e moços pais e filhos e mulheres às manadas, chegando-se a entregar meninas à brutalidade dos instintos que caracterizam a “soldadesca” reles. Quando o Exército Legal entrou no Estado, a chusma de patríotas “vinha incendida, como verdadeira matilha assanhada“, à procura de pessoas cujos nomes traziam nas carteiras. Muito de propósito, os chefes não podiam contê-los no seu fervor pela república…
O mês de maio de 1894 foi o mais tenebroso. Passados alguns dias, á força de empenhos em favor de um ou outro, foram sendo os presos tratados com mais humanidade. Durante a primeira quinzena de Maio o Teatro São Theodoro regorgitava de cidadãos de todas as classes e vindos de diversos pontos do estado.
As cenas que se passaram nessa prisão não podem ser descritas em poucas linhas. Talvez algum dos que ali estiveram lembre-se um dia de contar aos vindouros o que ali passaram.
Uma noite, por cerca de 11 horas, e ao cabo de muitos boatos aterradores, os infelizes detidos despertaram sob uma impressão violentíssima de horror. No pavimento térreo do edifício fazia-se uma algazarra tremenda, algazarra que estendeu-se logo aumentada de vasto alardio e do tropel furioso, por toda a plateia vazia do teatro. Era uma força comandada por um oficial.
A soldadesca estava toda ébria, e depois de algumas evoluções na plateia, e depois da cerimônia,a que os presos assistiram gelados, a distribuição de balas, os soldados em grita subiram para o salão . Ali chegando, invadiram desordenadamente os cubículos, onde alguns dos detidos jaziam deitados, mais por medo do que para dormir.
À porta daquelas lúgrubes celas gritavam brutalmente e iam, com as pontas das baionetas, levantando os cobertores, e chamando os nomes das vitimas designadas, Aqueles infelizes, mais espectros do que homens, erguiam do leito os frontes petrificadas e esvaidas de terror.
“Ah!… és tu, padre!”disse do meio dos alardios gerais, um dos soldados, falando a um mísero sacerdote que se levantava silencioso e lívido como um cadáver.
“Ainda não é a tua vez… Espera até amanha, que ainda é tempo…Enquanto isso, cuida de rezar…”.
E faz bater com estardalhaço a porta do camarim. No meio daquele alvoroço geral, só se ouviam lamentações e soluços, e o pranto convulsivo daqueles que partiam. Os agentes conseguiam afinal descobrir os indigitados e com estes saiam dizendo aos outros: ” Tenham paciência: a vez de voçês há de chegar. Fiquem aí à janela ja ouvem… “
Com efeito dentro de alguns minutos, aqueles homens crispavam horrorizados ouvindo detonações dos pelotões de fuzilamento.
Mas é preciso que se saiba alguma coisa do cerimonial das execuções.
O condenado era conduzido sempre debaixo das chufas da soldadesca, até o Quartel General, e dali, à senha convencionada, para o cemitério público, onde era supliciado junto a uma cova já aberta.
Aqui vai um fato interessante, ás pessoas não sabiam das execuções, achavam que se tratava de boatos.
O que houve de mais estranho entre as peripécias que tiveram que sofrer quase todas as vitimas foi o modo como foram presos. O Sr Balbino de Mendonça, saía do Quartel General, onde se tranquilizara com a sua segurança, pelo comandante, mas antes de chegar a sua casa foi “preso“.
A prisão do Barão do Serro Azul deu-se deste modo:
Um ou dois dias depois de sua chegada a Curitiba, o Coronel Pires Ferreira foi cedo à casa do inditoso paranaense e ali tranquilizou a família quanto aos seus intuítos, assegurando que só procurava o Sr Barão para conhecê-lo pessoalmente e cumprimentá-lo, pois era muito amigo do ex Senador Conselheiro Correia.
Em seguida o Coronel Pires Ferreira convidou-o a acompanhá-lo até o Quartel General, e como o Barão se mostrasse espantado e esquivo, o coronel deu-lhe tais seguranças, em tom de aparência tão sincero que a própria Baronesa animou seu esposo a ceder confiadamente ao convite que lhe era feito.
O comandante do Distrito tratou o Barão muito bem, e apenas declarou-lhe que ficasse detido em sua própria casa.
Mas, alguns dias depois, foi necessário que o Sr. Barão se recolhesse a uma sala do Quartel em que se achava aboletado o corpo de que o Coronel Pires Ferreira era comandante, onde assegurou o Coronel à família do Barão que o mesmo estava lá como seu hospéde.
Ali fui visitar o Barão, sendo-me franqueado o ingresso sem formalidade alguma. Encontrei lá muitos visitantes, prosando em alta voz e até alguns dizendo coisas que não deviam ser ditas, se o governo revelasse outras disposições.
Ali o Barão tinha criados e recebia diariamente visitas da família.
Passados alguns dias, a situação foi se agravando, e os detidos começaram a sentir o grande Ferro que os ia esmagando.
O Barão teve de ser transferido para uma prisão comum aonde ficou incomunicável.
À tarde do dia 20 de maio, inesperadamente correu uma informação de que alguns detidos deviam partir para o Rio.
Na véspera daquele dia, ainda me recordo muito bem, passava eu com um amigo pelas vizinhanças do Quartel do 17° e nas duas salas que ficam uma frente à outra, havia uma multidão de presos e pudemos saudar de longe a muitos notando em todos os semblantes a expansão e serenidade que revelam a confiança nos homens e a certeza da justiça.
Ali vimos de um lado (o esquerdo, descendo à Rua América) , os inditosos José Moura e José Schleder, além de outros que escaparam à fúria da tormenta; de outro lado Priscilliano Correia sorria para nós com aquele mesmo ar de descanso, pesado e firme, que se lhe conhecia.
De fato, alguns detidos iam partir… para o Rio, dizia-se.
Falava-se mesmo que o da Capital Federal tinham vindo um ou dois oficiais e praças de “Confiança” para conduzí-los.
À tarde, ou a noite do referido dia 20 de maio, pois apresentava-se nos quartéis um oficial de maneiras bruscas, e clamando pelos nomes das seis vitímas.
Priscilliano procurou saber para aonde iam, a fim de preparar as suas malas, e o oficial, com arrogância e ardileza, gritou-lhe “Não é preciso saber, nem tenho que dar-lhe satisfação disso”.
O capitão José Moura, homem de idade já e bastante enfraquecido pela diabete, foi arrancado do leito para seguir; mas teve uma síncope e foi metido sem sentidos num carro que conduzia à estação da Estrada de Ferro.
O Barão do Serro Azul pediu licença para mandar vir um carro, mas não lhe deram, e teve de atravessar a cidade toda a pé, tiritando de frio e talvez de horror, no meio de uma numerosa escolta. Na estação, poucos momentos antes da partida do trem, conta-se que o oficial comandante da escolta , que ia conduzir os presos, recebia um oficio, ou antes uma carta de prego, para ser aberta depois que o trem deixasse a estação de Deodoro…
As 10 horas da noite, pouco mais ou menos, partia de Curitiba aquele trem da “morte“, espécie de tumba de vivos, a caminho da Necrópolis nele iam os seguinte homens:
Barão do Serro Azul, Comendador Priscilliano da Silva Correia, Capitão José Ferreira de Moura, Balbino Carneiro de Mendonça, José Lourenço Schleder e Rodrigo de Mattos Guedes.
Esse trem sinistro, carregado de chair ou fuzil, passou quase despercebido pelas estações de São José e de Deodoro. Teve ordem de parar no km 65 , paragem bem conhecida hoje, e onde parece que ainda ecoam lugrubemente clamores de morimbundos à passagem dos trens da Marinha.
Só quando o comboio parou é que as míseras criaturas compreenderam a imensidade da sua desgraça. Pode se imaginar as cenas que passaram! Seria possível descrevê-las?
A alma humana emudece em presença de tais horrores: como que um esmorecimento mortal cega, obumbra, sufoca os próprios crentes! Mas não é para a tirania que nos volvemos no nosso assombro e quebrantamento. O que mais desconsola e espanta é termos de acreditar que ainda ficaram com valor para a vida os algozes que executaram aquela sentença sacrílega!
O tirano é um santo ao lado dos seus instrumentos. Ante a impiedade das mãos que assassinam por obediência é preciso até absolver os que mandam…
A mim se me afigura que a Providência Divina ainda tens os olhos assombrados, abertos para aquele espetáculo único na história do mundo! Nada sei de positivo (e direi mesmo felizmente… porque afinal é sempre melhor ignorar como os homens podem tornar-se nada duros, mais insenssiveis e mais hediondos do que a própria hiena), nada sei de positivo ante a cerimonia sanguinolenta ali passada naquele km 65.
Apenas uma ou outra voz repete em termos vagos alguns incidentes. Como é fácil imaginar, os executados horrorizados, só saiam dos carros arrastados violentamente pela soldadesca.
O primeiro dizem que foi José Moura.. Esta já andava quase morto quando recebeu a descarga.
José Schleder soltou gritos de desesperação, gritos que repercutiram pelas montanhas desertas, interrompendo talvez o sono tranquilo das feras, mas sem abalarem aquelas outras implacáveis feras humanas.
Balbino de Mendonça agarrou-se a uns varões de ferro, pedindo que não o matassem, pois agora é que começava ainda a viver… Os soldados quebraram-lhe os braços e ele, desfalecido, tombou para receber os tiros de revólver…
Sim: foram mortos por revólver um a um… O Barão pediu… mas pedir a quem?
Disse que o privassem de tudo, mas que lhes deixassem com vida…. Que o deportassem , que o banissem , contanto que lhe deixassem a esposa e os filhinhos.
Sentindo a inutilidade dos seus clamores, pediu mais um momento para orar. Ajoelhou-se e de joelhos recebeu a descarga.
Priscilliano só teve palavras de revolta. Rugia como um possesso e morreu amaldiçoando os assassinos.
Mattos Guedes ficou num estado lastimoso. Era um homem fraco e doentio, Ia deixar na miséria mulher e nove filhos menores.
As Vítimas, à medida que iam sendo sacrificadas, rolavam para o abismo, onde ficou um coro surdo de gemidos à retirada do trem. Os infelizes não morreram todos imediatamente, e consta até que no dia seguinte ou dois dias depois ainda um dos corpos apresentava indícios que havia expirado recentemente.
Os cadáveres ficaram na rampa da estrada e ao alcance dos olhares dos viajantes por mais de três dias e foi necessário muito empenho para que conssentissem no enterramento.
A Republica exigia que os corvos devorassem as carnes daqueles grandes criminosos!
Já não era insignificante o progresso feito sobre a justiça de Maria I !
Os seis homens mortos na Serra levavam dinheiro e jóias: de tudo foram despojados!
Não foram somente esses seis homens as vitimas imoladas à Republica, naquele momento convertida em Deus Moloch, insacíavel de sangue.
Centenas de vidas tiveram de fartar os apetites do ídolo feroz.
Um dos assassinos que mais comoveram também a todas as almas humanas foi o do bom e querido Francisco Braga. Durante o cerco da Lapa, as casas da distinta família Braga serviram de refúgio a todos os desesperados. De que se acusava este homem?
O que se sabe é que ele foi prefeito revolucionário na Lapa. Quem conheceu Francisco Braga poderá dizer que crimes teria ele cometido.
Tanto assim que nada receando do Governo Legal, conservava-se em sua casa, quando o próprio General Quadros aconselhou fraternalmente a pessoas de sua família que se apresentasse de forma a liquidar qualquer responsabilidade que porventura tivesse, O general tinha sido por aqueles dias hospede na Lapa pelo Velho Braga, pai da vítima e venerando octagenário, homem estimadíssimo em todo o estado pela sua grande alma e por ser o patriarca de uma família distintíssima.
Tranquilizado pelas seguranças da primeira autoridade militar, o inditoso pai fez com que o mísero filho se apresentasse. Na noite do outro dia , um amigo foi descobrir-lhe o cadáver dentre um montão de corpos que esperavam sepultura no cemitério.
Dois dias depois, trêmulo e de olhos marejados , o velho Braga pedia a seu “amigo” General Quadros licença para visitar seu filho na prisão. “Não é possível, seu fillho seguiu para o Rio... O Sr. tranquilize-se, meu amigo” foi a resposta do General.
É curioso que entre os assassinados no Paraná não figure chefe ou sub-chefe algum da revolução. Dos sete a que acabo de referir-me, só consta que Mattos Guedes entrou no Estado com os revolucionários e trazendo armas. Os outros todos foram homens que prestaram à revolução os mesmos serviços que ela não regatearam muitíssimos amigos do governo legal.
Quem teria aconselhado, pois o sacríficio desses homens?
Não é difícil atinar com a monstruosidade do pensamento que dirigiu essa obra maldita e nefanda. Os acontecimentos que referimos passavam-se no Estado e epilogavam-se no Quilometro 65 da estrada de ferro, sem provocarem uma crispação de nervos nos heróis que voltavam triunfantes. Já era um motivo de desvanecimento o haver fugido, e tinha-se medo de não ser feroz e de não se alegrar heroicamente com as barbaridades.
Basta dizer-se que, não somente amigos, mas até parentes das vítimas no entusiasmo da desforra ,as palavras mais mansas que tinham eram deste jaez: “… Afinal, ele não morreu pelo que fiz…” Imagine-se o que não anadaria pelo coração dos que entraram desvairados, com todos os frenesis de sua idolátria e de seu fanatismo!
Uma frase só caracteriza a alma dos patriotas vitoriosos: ” é preciso que a República se imponha ao respeito de todos e que acabemos de uma vez para sempre com as veleidades de revoluções…” E ainda esta outra:“Para salvar a Republica é necessário algum sacrifício: se não fizermos esse sacrifício, nunca tomaremos à sério a República. E é preciso que ela se consolide, mesmo que tenhamos de dar-lhe um pedestal de cadáveres”.
De modo que os crimes monstruosos cometidos no Paraná destinaram-se a produzir escarmento. Há mais perigo nas revoltas do que nos despotismos. Mesmo açulando as tiranias, é preciso matar a alma dos povos o direito (até ontem sagrado) de protestar pela força contra os excessos de força.
Rocha Pombo, como amigo de muitas vitimas simplesmente desabafou o que ele havia visto com seus próprios olhos.
Mas já estão em Curitiba muitos dos integrantes das tropas legalistas que tomaram Paranaguá em 1º de maio e que encontraram curitibanos dispostos a preparar novas festas, agora para recepcionar o governador, aliás o vice-governador em exercício, numa festa que deixará a viúva do comendador Araújo indignada:
“Agora vão brigando os que estavam de cima, Lacerda, Vicente e Xavier, a quem a gente do Lacerda quer depor da presidência; este vem com militares e é protegido do Floriano (…) foi assim com Vicente recebido em triunfo, as moças cobrindo-os de flores e creio que com o Vicente coroado por elas! Tudo isto lhe conto para que o Sr. conheça até que ponto chegou o Paraná.”
(Carta de dona Francisca Correia Araújo ao conselheiro Jesuíno Marcondes)
Vicente Machado e o General Ewerton de Castro retornando a Curitiba
O Barão iluminou o palácio. Mas, alguns amigos disseram-lhe ser perigoso, porque havia animosidade dos florianistas contra ele. O bondoso homem ficou admiradíssimo com a notícia. Estava convencido de que o General viria a sua casa agradecer-lhe por ter salvo a cidade dos horrores do saque!
Cresciam os rumores da prisão de Serro Azul. Amigos seus aconselharam-no a fugir. Em vão. Nada tinha a temer, respondia. Entretanto, para surpresa sua, recebeu ordens de permanecer em casa, em cárcere privado.
Escreve então ao Coronel Pires Ferreira, considerando-se prisioneiro. Isto a 5 de maio de 1894.
Os amigos insistiam no propósito de salvá-lo, certos de que ele seria sacrificado, mas respondia a todos invariavelmente: Se fugir, supor-me-ão culpado, e como não quero que me suponham culpado, não fujo!
Apesar disso, preparam-lhe tudo. Até o carro para sair pela Graciosa está pronto no dia marcado. Supuseram dobrar-lhe a vontade. Sem êxito. A 8 de maio de 1894, escreve ao irmão, o Conselheiro Manoel Francisco Correia:
Meu irmão.
Vítima das intrigas e das calúnias dos invejosos, estou, desde ontem ao meio-dia, retido em minha casa, à espera da organização de um tribunal ou comissão para julgar meu procedimento desde meados de janeiro. As acusações que me fazem são falsas ou sem fundamento. Tenho consciência de que tudo quanto pratiquei, logo que o nosso Estado foi invadido pelas forças revolucionárias, somente obedeceu aos mais nobres e puros sentimentos.
Não quis aceitar conselhos amistosos para fugir para o Rio de Prata logo que as forças legais expulsaram as revolucionárias. A minha fuga me tiraria ocasião de justificar-me, daria razão às calúnias e seria a confissão de que eu não confiava na imparcialidade dos juízes legais.
Nem criminoso, nem revolucionário sou.
Os tempos são de provações, e eu a elas me subordino pacientemente.
Quase não posso escrever, pelo que peço mande esta ao Dr. Ubaldino.
Minha mulher está muito pesada. Espero mais um herdeiro ou herdeira no próximo mês.
Saudades a todos da família. Seu irmão e amigo Serro Azul.
O general Everton de Quadros, novo comandante do Distrito Militar, promoveu demissões de funcionários públicos, buscas e capturas de pessoas acusadas de colaborar com os maragatos. As prisões ficaram tão cheias que o teatro São Teodoro foi transformado em presídio. Apesar da condenação pública, várias pessoas foram fuziladas.
O Barão de Serro Azul recebeu uma intimação para se recolher ao quartel da primeira divisão. Outros cinco de seus companheiros também foram presos e levados aos mesmo presídio: Prisciliano Correia, José Lourenço Schleder, José Joaquim Ferreira de Moura, Rodrigo de Matos Guedes e Balbino de Mendonça.
Muitos políticos importantes do Paraná tentaram por todos os meios livrar o barão de Serro Azul e seus companheiros da prisão. O general Everton de Quadros, temendo uma fuga ou a desmoralização de seu comando, ordenou a execução de barão de Serro Azul e seus amigos.
Dia 9, Serro Azul recebeu nova intimação. Deveria recolher-se ao quartel da 1ª. Divisão, à Rua Pedro Ivo.
Aí se revelou o amor do povo por aquele homem. Apesar dos dias de insegurança que se respirava, ele recebia a visita diária de mais de 300 pessoas, de todas as classes.
Por medida de segurança, pois corriam rumores de que seus amigos tentariam raptá-lo, desde que ele não se propunha a fugir, o General Ewerton Quadros, comandante das forças em operações, tratou de transferi-lo para o Quartel de Infantaria da Trajano Reis, tornando-o incomunicável.
Apenas a documentação íntima para registrar o clima de terror vivido pelas famílias de Curitiba. Nenhum homem saía desacompanhado. Era preciso deixar a casa cercado por todos os familiares, especialmente por muitas mulheres.
À noite, a soldadesca bêbada fazia arruaça diante das casas daqueles que tinham familiares sumariamente presos.
A imprensa volta a circular louvando os libertadores, dedicando páginas aos heróis do Cerco da Lapa. Nunca se falou tanto do general Carneiro.
Circulam notícias de fuzilamentos nas cercanias do cemitério municipal, amigos aconselham o Barão a fugir, mas já é tarde.
O Teatro São Teodoro já está lotado de presos, e a imprensa continua a louvar Carneiro e outros heróis do Cerco da Lapa. Homenagens ao Marechal Floriano ocupam praticamente todas as primeiras páginas do A República, o único jornal em circulação.
Entre os presos do quartel da Rua América o clima é de tocante ingenuidade: todos a aguardar pacificamente um justo julgamento ou preocupados em pedir um ajudante para lavar suas louças, coisa que até então eram obrigados a fazer sozinhos.
É essa a tônica do diário de Balbino Mendonça, que termina na noite do “embarque rumo ao Rio de Janeiro”, expressão que ficou conhecida como sinônimo de desaparecimento sumário.
Mas as festas recomeçam. Uma delas chega a ser perturbada pelo apito inconveniente de um trem noturno.
No dia seguinte, uma nova onda de rumores sinistros toma conta de Curitiba. Mas isso não era novidade, pois desde 1893 Curitiba convivia com os boatos e o silêncio cúmplice.
Alguns corajosos-constrangidos dirigem-se ao Palacete Wolf, onde reina Ewerton de Quadros, para saber do destino dos presos.
Cópia do manuscrito do Diário de Balbino Mendonça, uma das vítimas do fuzilamento do km 65. (Manuscrito cedido à curadoria da mostra 1894. Crise da República)
Numa das cartas ao conselheiro Jesuíno Marcondes, a corajosa dona Francisca Araújo relata sua visita ao general Ewerton. Queria ter notícias do irmão Ildefonso Pereira Correia.
“Afiançou-me ele debaixo de sua palavra de honra que tudo é mentira e à minha vista deu ordem para prenderem todos os boateiros. Ainda não ficando bem tranqüila e havendo aí um coronel Marinho que já tinha estado aqui e devia muitas obrigações a Ildefonso dizendo-se muito seu amigo e um pouco nosso, fomos lá e fui pedir-lhe para fazer chegar cartas e roupa às mãos dele visto o terem levado sem coisa alguma. Não posso dizer que ele nos tratasse mal, porém que me pareceu que homem cheio de ódios!”
(Carta ao conselheiro Jesuíno Marcondes)
Mas o pior será confirmado por amigos próximos da família Correia. Esses mesmos amigos corajosos que se encarregarão de enterrar precariamente os corpos, no mesmo local onde foram fuzilados, numa missão quase secreta.
A cidade continuará vivendo dias de terror a pretexto de necessária justiça. Tudo como se fora obra e arte do terceiro escalão. E assim aqueles dias passarão para a história. Num primeiro momento, o medo parecia fazer parte do drama das famílias atingidas. Serão necessários muitos fuzilamentos para que grande parte da cidade conheça de perto o medo.
Trecho de carta de dona Francisca Correia Araújo, viúva do conselheiro Araújo (em papel adequado à sua condição), dirigida ao conselheiro Jesuíno Marcondes, então exilado na Suíça. A dor da família do Barão, as intrigas, “a ingratidão, a injustiça do povo de Curitiba”.
Na noite de 20.05.1894, Ildefonso e seus companheiros Presciliano Correia, José Augusto Ferreira de Moura, José Schleder, Balbino Carneiro de Mendonça são acordados com ordens de embarque para o Rio.
A escolta subiu a pé a atual Trajano Reis. Os prisioneiros se comunicavam silentes, pela expressão dos olhos, com certo ar de espanto. Tinha a marcha um toque sinistro, misturado ao barulho das espadas resvalando na calçada, em contraste com o silêncio tumular da noite.
Caía uma chuva fina, hibernal.
Mesmo sob a agrura da humilhação e do vexame, Serro Azul parece tranqüilo, escudo e rocha de um grupo de homens desorientados e perplexos.
E a comitiva, acrescida de Mattos Guedes, prisioneiro que estava na Praça Tiradentes, chega à estação. A locomotiva, a puxar três vagões soturnos, rompeu, sem tardança, entre apitos e ruídos cortantes.
A convicção íntima da inocência infundia-lhes coragem. Poderiam enfrentar, sem receio, os juízes e as leis da República. Schleder apalpava nos bolsos copiosa documentação: as provas da sua inocência. Esse convencimento renova-lhes a fortaleza do espírito e a confiança no amanhecer de um novo dia…
O que feria mais profundamente, naquela hora, a Ildefonso Correia, era a lembrança da sua mulher, grávida e desesperada, longe dos seus afetos e desvelos, indefesa e frágil na sua desdita. (A criança nasceu morta).
É evidente que a parada à margem da grota próximo ao Km 65 se deu por engano do comando da escolta. Manda a razão que se aceite haver, a ordem dada, sido para que se fuzilassem os presos junto a um dos muitos precipícios da serra, e de forma que os corpos desaparecessem para sempre, no abismo. Conta-se que, a despeito do luar, havia nevoeiro, e este, por certo, cobria os vales, como em geral ocorre naquelas paragens. Disso resultou o engano, pois o local em que a ordem foi cumprida era dos mais impróprios, tanto assim que os cadáveres foram avistados da linha férrea, no dia seguinte.
Quando o trem parou, em súplicas e prantos, resistindo, foram, um a um, evacuados a coices de fuzil. Em seguida, a descarga mortífera e o eco se repetindo pelas quebradas da serra.
Serro Azul, patético e confuso, protestava em vão. Prometeram em recurso extremo, repartir sua fortuna com os oficiais da escolta, se os poupassem. Inutilmente.
Sofreu o impacto do primeiro tiro na perna. Sangrando em abundância, pôs-se de joelhos pretendendo orar. Balbuciou, débil e trêmula, a derradeira prece: Meus filhos!
E caiu, abismo abaixo, atingido mortalmente na testa.
Aos gemidos dos moribundos se acrescentou o coro singular das aves agourentas. Escandalizada, a natureza pôs-se a chorar na lágrima do orvalho para esconder o sangue da perfídia.
Noite sem estrelas, de luto celestial.
Nas grotas e nos cumes há um silêncio de morte.
Emanações leves de flores e visões de camélias brancas. Perfume de imortalidade.
Os corpos foram resgatados somente a 25 de maio, quando lhes foi dada sepultura.
Durante 40 anos, seu nome foi proibido de pronunciar no Estado do Paraná. O resgate de sua memória foi realizado a pouco e pouco, através de várias publicações. Mais recentemente, em 2003, foi lançado o filme O preço da paz, com o objetivo de colocar em seu devido lugar a memória honrosa de Ildefonso Pereira Correia.
O filme ganhou Kikitos de Ouro de Melhor Edição e Melhor Direção de Arte e o Prêmio do Júri Popular, no Festival de Gramado.
Durante mais de quarenta anos, o barão de Serro Azul foi considerado traidor. Os seus atos foram banidos da história oficial do estado do Paraná, documentos foram arrancados, referências apagadas, e qualquer discussão sobre a execução sumária dele e seus companheiros era evitada. A sua magnífica mansão em Curitiba foi transformada em quartel do Exército, tendo a baronesa e os seus filhos que morar em um anexo.
Sua vida começou a ser investigada nas décadas de 1940 e 1950 quando ocorreu o resgate de sua memória.
Em 1942, foi publicada a biografia “O Barão de Serro Azul” escrita por Leôncio Correia. O livro “A Última viagem do Barão do Serro Azul” do escritor Túlio Vargas, atual presidente da Academia paranaense de Letras, foi publicado em 1973. Baseado nesse livro, o cineasta Maurício Appel produziu o filme “O Preço da Paz” em 2003, com direção de Paulo Morelli e roteiro de Walther Negrão. No elenco, Herson Capri, no papel do barão do Serro Azul, e Lima Duarte, no papel do general Gumercindo Saraiva.
A revolução federalista foi vencida em junho de 1895 no combate de Campo Osório. Saldanha da Gama, possuidor de um contingente de 400 homens, lutou até a morte contra os Pica-paus comandados pelo general Hipólito Ribeiro.
A paz finalmente foi assinada em Pelotas no dia 23 de agosto de 1895.
O caudilho Gumercindo Saraiva, obrigado a recuar, iniciou o seu retorno ao Rio Grande do Sul. Em marcha pelos três estados, desde sua partida de Jaguarão – Rs até o retorno ao Sul, o General Gumercindo Saraiva e suas tropas percorreram a cavalo, um trajeto de mais de 3.000 km.
Em 27 de Junho de 1894, Gumercindo enfrentou sua última grande batalha. No dia 10 de Agosto morreu com um tiro no tórax, de tocaia, antes de iniciar a Batalha do Carovi. Numa guerra de barbáries em ambos os lados, dois dias depois de enterrado, seu corpo foi retirado da cova, teve a cabeça decepada e levada em uma caixa de chapéus ao governador Júlio de Castilhos. Seu corpo, mais tarde, foi levado e sepultado no cemitério municipal de Santa Vitória do Palmar, sem a cabeça.
O General Gumercindo Saraiva, em sua estada em Curitiba, em um acordo de paz com o barão do Serro Azul, prometera que a população e seus costumes seriam respeitados em troca de apoio aos revolucionários. Ao barão do Serro Azul, foi a melhor alternativa para evitar mortes e confrontos. Em uma ocasião em que os seus soldados foram acusados de roubar uma coleção de moedas do Museu paranaense, a título de ressarcimento, Gumercindo Saraiva doou sua espada ao acervo do Museu, onde se encontra até hoje.
“…o que mais me impressionou, porem, foi a espada de Gumercindo Saraiva, longa, curvada, bainha de latão o cabo de madrepérola. Interessante episódio a acompanha. Gente de Apparicio Saraiva invadirá o museu e arrebatará moedas e outros objectos. O Dr Ermilino de Leão, diretor do mesmo, a esse tempo, procurou Gumercindo e informou o ocorrido. Ouviu-o silencioso, o famoso caudilho, cuja physionomia carregou-se da immensa contrariedade. Depois, levantou-se e pegando da espada, teve este gesto nobre:
– Si vale alguma cousa, leve-a, doutor, em substituição ao que lhe roubaram.
Aquelle pedaço de ferro de aguçado gume, por muito tempo terror das coxilhas do sul, muitas vezes com certeza, colericamente vibrada, no rubor das batalhas, mutilando, embelezando-se de sangue, aniquilando, destroçando ate a ultima raiva, até a ultima loucura da victoria, radiosa, heróica e brutal, passou, daquelle dia em diante, fria e inoffensiva, a figurar entre as velharias do museu, na infinita nostalgia, quem sabe, daquelle sol que flammejara, daquella liberdade dos pampas sobresaltada pelo imprevisto nos combates, daquelas noites de terror, em que era brandido, chispando fogo, saudades das horas vagas em que ficava impassivel, nas barracas a luz das fogueiras, na amplidão dos campos, poderosa e soberana.
Poucos dias depois desse episodio presagioso, começou de abrumbrar-se a estrella triumphante de Gumercindo Saraiva.”
Houve também uma ocasião em que um soldado de sua tropa, soldado Diniz, matou uma mulher com uma navalha, Gumercindo muito revoltado, resolve aplicar uma punição exemplar mandando decapitá-lo.
O reconhecimento histórico veio mais tarde quando a propaganda de guerra governista acusou-o de atrocidades, fato esse que foi desmentido por centenas de testemunhos, inclusive de inimigos políticos seus. Pois em casos de abusos cometidos por seus comandados, punia exemplarmente, como o foi com o soldado Diniz. Em estudo realizado numa pesquisa da Escola de Comando e Estado Maior (ECEME), foi considerado o maior líder de combate dessa Revolução.
O Barão não era um Federalista seu primo Priscilliano e Matos Guedes estes sim eram Federalistas convictos.
Considera-se Floriano como o “Consolidador da República” e de fato o foi, claro através de uma ditadura terrível.
Mas ele deve muito ao Paraná e a Santa Catarina, deve por sua crueldade e pelo que se permitiu que fizessem com os paranaenses e catarinenses, onde muitos fuzilamentos sem julgamentos, degolas , perseguições tornaram essa a guerra mais suja possível, diga-se de passagem, onde os legalistas foram iguais ou piores que os próprios federalistas.
Interessante que Floriano não foi tão cruel com seus opositores do Rio de Janeiro. Muito embora se ele tivesse na mão alguns dos lideres da revolução da Armada, ele não hesitaria em fuzila-los. Mas no Sul do País ele foi extremamente severo, permitindo deliberadamente todo o tipo de crueldade possivel.
O Barão não merecia o fim que teve. Não foi julgado. Era a seu tempo o homem mais importante e mais respeitado do Paraná. Teve a coragem de não fugir, como o fizeram os principais chefes Maragatos paranaenses, pois ele acreditava que havia salvado Curitiba do saque prometido pelos Federalistas e que Floriano Peixoto haveria de compreender este seu procedimento.
Enganou-se…
No ano de 1895, a viúva a Baronesa do Serro Azul escreve longa carta dirigida ao Barão de Ladário Senador da República o qual fazia forte oposição ao Governo de Floriano, carta essa que foi lida no congresso , onde ela dava nome aos culpados e a toda a trama que precedeu o assassinato de seu marido sem um julgamento.
Nessa carta ela cita e acusa Floriano , Vicente Machado, o Coronel Firmino Pires, a estas alturas, senador bem como o sanguinário General Ewerton de Quadros.
Vicente Machado sempre negou qualquer participação , inclusive negando logo de inicio que nem ele sabia que o general Ewerton havia mandado fuzilar o Barão.
Todavia, se seguirmos apenas o bom senso da história fica obvio que já havia uma lista vinda do Rio de Janeiro, evidentemente com a anuencia de Floriano de quem deveria ser passado pelas armas e é claro que Vicente Machado sabia disso, pois ele mesmo havia denunciado através de telegrama anteriormente enviado à Floriano Peixoto que o Barão era “Conhecido Monarquista”.
Talvez o Barão tenha sido ingenuo e muito confiante em certos princípios humanitários que não são observados em guerras sujas, e não entendeu que deveria ficar uns tempos fora do País, já que até Rui Barbosa, inimigo de Floriano, saiu do Brasil a tempo ficando exilado em Londres até fins de 1895.
Apenas a revista Club Coritibano registrará, três meses depois da tragédia de 20 de maio de 1894, o falecimento “do cidadão Ildefonso Pereira Correia”.
Mesmo assim, o Barão será a única das vítimas do km 65 a ter a morte divulgada oficialmente. No mais, silêncio e medo.
O Paraná silencia, enquanto a imprensa do Rio de Janeiro será enfática ao divulgar a série “Dramas do Paraná”, a exemplo de O País, Cidade do Rio. Por sua vez, a revista D. Quixote publica um número especial sobre os fuzilamentos do Paraná e suas vítimas, ilustrado por Ângelo Agostini. Menos contundente, a imprensa paulista também não será indiferente ao tema.
Em Curitiba, as famílias enlutadas ou amedrontadas que tinham posses seguem para as estações de água ou vão se tratar na Marinha.
O medo é percebido, ainda em 1895, pelo silêncio da imprensa local, enquanto o jornal Cidade do Rio anuncia, a 19 de maio de 1895, que o comendador Manoel Francisco Correia manda rezar na Igreja da Glória a missa de um ano de falecimento do Barão.
Em 23 de agosto de 1895 termina oficialmente a Revolução Federalista com a assinatura da chamada Paz de Pelotas, agora no governo Prudente de Moraes, que sucede o Marechal Floriano e inaugura a chamada “política do café com leite”.
Nesse mesmo ano, Vicente Machado elege-se senador, sem livrar-se da sombra de Xavier da Silva. Mas a história soube poupá-lo de maiores responsabilidades.
Apenas em 1937, David Carneiro publicará Os fuzilamentos de 1894, no Paraná, primeiro relato minucioso sobre os crimes ocorridos após a invasão do Paraná, iniciando oficialmente uma corrente favorável à inocência de Vicente Machado e Floriano Peixoto.
O Barão não quis fugir para a Argentina , porque ele acreditava na Justiça. Poderia ter embarcado no cargueiro “Henrique Barroso” o qual tinham acertado um atraso na partida para que ele pudesse fugir, seu primo David da Silva Carneiro tinha acertado com pessoas para que o levassem pela Graciosa até Paranaguá e embarcasse para o refugio seguro.
Mas em tempo de Guerra o que é Justiça?
O que é ética?
O que é Fraternidade?
Bibliografia:
Hercule Spoladore História da Maçonaria Paranaense do Século XIXO ITIBERÊ. Paranaguá, v. II, ano II, nº 9, jan.1920.
REVISTA PANORAMA. nº 44, p. 50, 51, 25, jan.1956.
NICOLAS, Maria.Vultos paranaenses. 1958. v. 3.
LEÃO, Ermelino Agostinho de. Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná. v. 1.
BALÃO JUNIOR, Jaime. Impressões Literárias. 1938.
COSTA, Odah Regina Guimarães. Ação empresarial do Barão do Serro Azul. 1981.
PILOTO, Valfrido. Paranistas. 1938. A tragédia do km. 65.
VARGAS, Túlio. A última viagem do Barão do Serro Azul. 1973.
CORREIA, Leôncio. Barão do Serro Azul. 1973.http://paulodafigaro.blogspot.com.br/2014/04/os-dramas-do-parana-os-fuzilamentos-de.html.
Rocha Pombo Para a História