A Noite (The Night) de William Hogarth.
Esse retrato é bem conhecido nos meios maçônicos, mas vamos desenvolver o contexto de quem foi William Hogarth.
A vida de William Hogarth, entre 1685 e 1764, coincidiu com um período histórico da Inglaterra que assistiu ao surgimento da Maçonaria organizada. Em suas crônicas singulares sobre a sociedade britânica, Hogarth retratou Londres e seus habitantes em suas melhores e piores facetas, sendo a maçonaria uma parte integrante dessa sociedade.
Para compreender o envolvimento de Hogarth com a maçonaria, tanto no aspecto artístico quanto no pessoal, é necessário considerar o ambiente maçônico daqueles primeiros tempos.
Transportar-se mentalmente para o ano de 1717 não é tarefa fácil, quando quatro Lojas em Londres se uniram para formar o que hoje se denomina Primeira Grande Loja da Inglaterra. À época, a maçonaria era vista como um simples clube social de jantares e bebidas, sendo apenas uma dentre várias sociedades similares, que evoluiriam para se tornarem respeitadas. Esse cenário é refletido na primeira impressão que William Hogarth teve do universo maçônico, sendo ela significativa antes mesmo de sua entrada formal na maçonaria, em 1725.
Dois anos antes, em 1723, foi publicado o primeiro livro de constituições de James Anderson, considerado um marco em vários sentidos. Embora tenha solidificado a maçonaria como uma instituição de relevância, também gerou considerável tensão e divisões dentro da Grande Loja.
Os fundadores originais, muitas vezes injustamente associados ao jacobitismo em razão do caráter “secreto” da sociedade, perceberam nas novas constituições um grande desvio do ambiente sociável dos encontros regados a álcool e café, que até então prevaleciam. Essas constituições foram impulsionadas por uma facção mais influente, composta por intelectuais e nobres, entre os quais se destacavam o 2º Duque de Montagu e John Desaguliers. A disputa atingiu seu clímax em junho daquele ano, quando Philip, Duque de Wharton, conhecido por sua ligação com o notório Hell-Fire Club e por suas convicções jacobitas, foi eleito o 6º Grão-Mestre da sociedade, em oposição à liderança preferida pelo Duque de Montagu. Um compromisso temporário, que durou apenas um ano, resultou na nomeação de John Desaguliers como vice-mestre. No ano seguinte, nas eleições de 1724, Wharton foi derrotado por um voto, e o Conde de Dalkeith foi eleito Grão-Mestre. Em resposta, Wharton afastou-se da Grande Loja.
Como precaução contra qualquer ação de Wharton, que ameaçava retirar seus apoiadores da Grande Loja, alguns membros da facção de Montagu publicaram um anúncio falso sobre a criação de uma organização rival chamada The Gormagons. A estratégia consistia em ridicularizar Wharton e comprometer sua credibilidade por meio da criação de uma sociedade satírica.
William Hogarth, como qualquer bom caricaturista de seu tempo, aproveitou essa situação. Ele expôs a maçonaria à luz da rivalidade dos Gormagons.
Publicado pela primeira vez em dezembro de 1724, o trabalho de Hogarth é um exemplo clássico de sua habilidade artística. A gravura, rica em simbolismo, é uma sátira sobre as circunstâncias acima mencionadas. A maçonaria é representada por uma velha senhora montada em um burro, com James Anderson (em uma das poucas imagens conhecidas dele) retratado em posição humilhante, sugerindo sua subserviência à sociedade. Wharton aparece como Dom Quixote, conduzindo a cena, e Desaguliers é retratado como Sancho Pança. O macaco usando ferramentas maçônicas simboliza a imitação da maçonaria pelos Gormagons. O anúncio original indicava que a nova ordem havia sido fundada pelo imperador da China, o que justifica a presença de quatro sábios chineses liderando a procissão, numa alusão às procissões maçônicas públicas que então começavam a surgir nas ruas de Londres. Elementos como a escada, o balde, o esfregão e os letreiros de tabernas evidenciam o quanto Hogarth estava familiarizado com os assuntos maçônicos. Deve-se ressaltar que a Sociedade dos Gormogons – grafada de forma diferente na obra de Hogarth – foi uma organização atribuída a Wharton, que se espalhou pela Inglaterra e parece ter sobrevivido até o final do século, como uma sociedade rival da maçonaria.
Hogarth iniciou sua carreira artística como aprendiz de ourives, mas logo se desinteressou pela profissão. Passou a pintar o que ficou conhecido como “peças de conversação”. Utilizando um estilo próprio e recusando-se a copiar os grandes mestres, Hogarth logo fez um nome para si. Embora não se saiba com precisão a data de sua iniciação na maçonaria, sabe-se que ele foi um dos nove membros presentes na reunião da loja Hand and Apple Tree, em Little Great Queen Street, Holborn, consagrada em novembro de 1725. A loja, registrada com o número 41, foi posteriormente extinta em 1737. Hogarth, em 1730, tornou-se membro da recém-constituída Corner Stone Lodge, que mais tarde se fundiu com a St. George Lodge em 1843, resultando na atual St. George and Corner Stone Lodge No. 5. Diversos maçons renomados e influentes faziam parte dessa loja.
Não resta dúvida de que a trajetória bem-sucedida de William Hogarth, tanto como artista quanto como maçom, foi influenciada, senão motivada, por Sir James Thornhill, seu sogro. A relação entre Hogarth e Thornhill não começou da melhor forma, uma vez que Hogarth fugiu com a filha de Thornhill, Jane, e casou-se secretamente na Igreja de Old Paddington, em 1729. No entanto, ao longo do tempo, ambos se tornaram amigos, e Hogarth passou a admirar e respeitar Thornhill, mantendo-se fiel a ele por toda a vida, mesmo quando as condições financeiras deste último começaram a deteriorar-se.
Sir James Thornhill (1675-1734) foi um pintor renomado, cujos afrescos adornam a cúpula da Catedral de São Paulo e o Salão Pintado do antigo Royal Naval College, em Greenwich. Ele foi o governador de uma precursora da Royal Academy e fundador do Art College em Covent Garden. Apesar de ter perdido prestígio nos últimos anos de vida, Thornhill ocupou cargos importantes, como o de deputado por Melcombe Regis (1722-24), sendo nomeado cavaleiro em 1720 e “Serjeant Painter” do Rei William III no ano anterior — uma posição que Hogarth viria a ocupar com o Rei George II, em 1757. A relação entre Thornhill e Hogarth foi de benefício mútuo. O crescente prestígio de Hogarth como comentarista da sociedade contemporânea era crucial em uma época de elevado analfabetismo, quando “uma imagem valia mil palavras”. Thornhill, por sua vez, necessitava de apoio público para seu Art College, e as conexões proporcionadas por Hogarth abriram portas importantes, resultando em comissões lucrativas.
James Thornhill também foi um maçom ativo. Foi Venerável Mestre da loja Swan Tavern, em Greenwich, em 1725, e alcançou o posto de Primeiro Vigilante em 1728. Naquele período, ser maçom era uma atividade de prestígio, num ambiente onde a participação em clubes, cafés e sociedades diversas era comum. A maçonaria se destacou devido à alta posição social de seus membros, desde que John Desaguliers foi eleito o terceiro Grão-Mestre, em 1719. Acadêmicos, aristocratas, nobres e até membros da realeza começaram a filiar-se à fraternidade. Sir James Thornhill ingressou na maçonaria por direito, dada sua posição na nobreza e no Parlamento. Já William Hogarth, vindo de uma família empobrecida, precisou da introdução de Thornhill para ser aceito numa loja composta por homens de status social superior ao seu.
A crítica afiada e a pena incisiva de Hogarth não pouparam ninguém, fossem amigos ou inimigos, maçons ou profanos.